sábado, 22 de outubro de 2022

A Verdade

A verdade. Uma teoria? Uma ideia? Um fato? 

O que é a verdade? 

Jesus, quando preso, foi interrogado por Pilatos. A história é conhecida aos que leem a Bíblia. Tanto o poder religioso como os poderes políticos estavam incomodados com aquele jovem galileu ousado, desafiador, polêmico. Jesus falava de algo que gerava incômodo aos poderosos. Aqueles que precisavam manter seu discurso, as aparências, o controle, viam em Jesus um risco. "Você é o rei dos judeus", questiona Pilatos (João 18.33). 

Como responder a essa pergunta da maneira correta considerando que estava sendo feita pela perspectiva errada? 

Perguntou-lhe Jesus: "Essa pergunta é tua, ou outros te falaram a meu respeito?" (João 18.34) 
É uma dúvida sincera, autêntica e está realmente incomodando você que eu possa ser um Rei? Ou é apenas algo que colocaram na tua boca? O que realmente preocupa você? 

Respondeu Pilatos: "Acaso sou judeu? Foram o seu povo e os chefes dos sacerdotes que entregaram você a mim. Que é que você fez?" (João 18.35). 

Pilatos pareceu impaciente em ter que se ocupar com um problema que nem era dele. Um rei? Um novo reino? De quem? Onde? Esse galileuzinho!? Um rei? Poderia ser ele mesmo uma ameaça? Ameaça a quê? 

Disse Jesus: "O meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui" (João 18.36). Se Jesus tinha trabalho até para convencer o seu grupo de discípulos mais imediatas sobre a natureza real de seu reino, imagine diante desses usurpadores metidos a poderosos em sua pompa e títulos de grandeza! 

"Então, você é rei!", disse Pilatos (João 18.37). A ironia e a zombaria dessa resposta se confirmariam no modo que Jesus foi ornamentado (coroa de espinhos e a inscrição 'rei dos judeus') para a crucificação (Ver João 19). 

Jesus respondeu: "Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem" (João 18.37). 

"Que é a verdade?", perguntou Pilatos (João 18.38). A pergunta de Pilatos acabaria se tornando famosa. Muitos tem tratado a questão ao longo dos séculos. Há quem diga que diante da pergunta pela verdade Jesus se calou. Querem indicar, talvez, que nem mesmo Cristo ousaria dar uma resposta e definir o que seria a verdade. 

Quando dois mundos diferentes se encontram, as palavras podem ser proferidas a partir de realidades conflitantes. A maneira como a cena, no relato de João, é cortada, não indica tanto um Jesus que permanece mudo diante de um Pilatos ansioso por uma resposta. Antes parece revelar um político pouco interessado em que Jesus teria a dizer. 

Pilatos saiu imediatamente dando ao povo a escolha democrática de votar sobre quem queriam libertar, Jesus ou Barrabás. "Que é a verdade?", perguntou Pilatos. Ele disse isso e saiu novamente para onde estavam os judeus... (João 18.38). 

A escolha popular nós também conhecemos (João 18.40). No entanto, retornemos à questão: O que é a verdade? 

Se ficarmos apenas no capítulo 18 do Evangelho de João, poderíamos deduzir que é uma pergunta que ficou mesmo em aberto. Como sabemos, porém, Jesus entabulou muitos outros diálogos em sua trajetória na Antiga Palestina do primeiro século. Anteriormente, naquela ocasião respondendo à pergunta de um dos discípulos, Jesus parece indicar uma possível resposta. 

Disse-lhe Tomé: "Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho" (João 14.5). A resposta de Jesus revela que a verdade tem a ver com caminho e vida. Não é nenhuma abstração, nenhuma ideologia, nenhum conjunto de regras ou de ideias que uma pessoa pode se arrogar e com isso dar na cara de alguém. Jesus não cita nenhum grande filósofo grego (que naquela altura da história já ostentava nomes famosos como Sócrates, Platão e Aristóteles). Ele também não tira do alforge nenhum livro ou manuscrito. Jesus também não começa a formular, ele mesmo, uma bela teoria a respeito da verdade. 

A resposta, assim como aconteceria com Pilatos depois, estava bem ali, diante dos discípulos.

Respondeu Jesus: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (João 14.6). Tal verdade não pode ser encontrada em meras discussões ou elaboradas argumentações. Não se trata de algo que podemos possuir para decretarmos que temos a razão sobre a verdade de outro alguém. Não pode ser convertida em arma ou argumento em guerras ideológicas e na projeção de egos carentes em busca de autoafirmação. Não. A verdade não é monopólio de nenhum pecador. Tudo o que podemos diante dela é buscar conhecê-la por meio de um relacionamento que transcende a mera racionalização fria e abstrata. Não tem tanto a ver com saber algo, mas em conhecer alguém. 

"Se vocês realmente me conhecessem..." (João 14:7). 

Das ironias em tudo isso, mais uma se escancara diante de todos. É mais uma daquelas coisas que nossos avós diriam: "não veem aquilo que está diante do próprio nariz". Quando Jesus veio para fora, usando a coroa de espinhos e a capa de púrpura, disse-lhes Pilatos: "Eis o homem!" (João 19.5).