domingo, 29 de novembro de 2020

O 'Novo' Normal

Eu não sei se você é como eu, mas, costumo repugnar logo as 'tendências da moda'. Isso se aplica, inclusive, aos chavões que repetidamente surgem para denominar algo. O mais recente é o 'novo normal'. 


O conceito se tornou comum a partir da pandemia do novo coronavírus, em 2020, para se referir à realidade que surgirá após a pandemia. Para muitos analistas o impacto dessa pandemia será tão forte que causará transformações nas mais diversas áreas da realidade e da vida das pessoas. 

Se, por um lado, podemos admitir que sim, muitas coisas vão mudar, por outro, é certo também que sabemos menos do que gostaríamos. O frenesi causado pela pandemia, a ansiedade por estar vivendo um momento histórico, o desejo de fazer a melhor leitura da realidade e, consequentemente, as melhores previsões quanto ao futuro 'pós-pandemia' geraram muitas lives, entrevistas, artigos, posts, livros e etc. A realidade da igreja não foi diferente. 

Com esse texto estou utilizando a primeira vez o termo 'novo normal'. E, para dizer que não gosto dele! Ainda assim, pode render reflexões. Um fato que parece comum em nossos dias é que, cada vez menos, as pessoas gostam de perguntas. Queremos respostas. Preferimos as soluções. No entanto, desculpe, é inevitável. Vou perguntar: 
o que é 'normal' pra você?


A palavra 'normal' significa, basicamente, aquilo que está conforme a norma, uma regra. Portanto, seria mais coerente falarmos sobre o comum e o incomum (?). Assim, muitas coisas que as pessoas tem em comum, acaba como que se tornando uma norma. É normal que as pessoas busquem um trabalho para se sustentarem. É normal que as pessoas frequentem supermercados para comprar itens de primeira necessidade. É normal que as pessoas busquem segurança. E, assim por diante. 

Deu para perceber por que parece um exagero falar de um 'novo' ou um 'outro' normal? 

Dificilmente teremos tão grandes transformações naquilo que é comum aos seres humanos. Por outro lado, sim, é plausível esperar algumas mudanças. Mas, estas sempre ocorreram ao longo da história. 

Apenas para ficarmos nas últimas décadas, a ascensão da internet não trouxe um 'novo normal' para a vida das pessoas? 

Eventos históricos, sejam positivos ou negativos, sempre ocorreram e continuarão a ocorrer. E, nós estaremos sempre prontos a nos adaptarmos conforme a necessidade. Ainda assim, o básico pouco muda: carecemos de relacionamentos, afetividade, aceitação, alimento, segurança, descanso, lazer, trabalho, prazer. Embora tenhamos tudo isso em comum, a maneira como buscamos saciar nossa sede e a nossa fome de vida pode variar. 

Suspeito que no pós-pandemia as pessoas irão  praia, frequentarão barzinhos, farão festas, lerão livros, passearão com sua família, deitarão na grama em parques, irão aos estádios de futebol, enterrarão seus mortos, celebrarão um novo nascimento, irão às compras, jogarão em vídeo games, frequentarão igrejas em celebrações diversas, enfim, tudo 'normal'. 

Que muitas coisas serão diferentes não há dúvida. Mas, isso sempre foi assim. E, sempre tivemos que nos adaptar. Se, agora, existem mais opções 'online', seja de qual produto for, o básico permanece: atender a um desejo ou necessidade humana. Entre o vício e a virtude, continuaremos lutando com nossos instintos, nossos medos, nossos desejos, nossos sonhos. O 'velho normal'.

Assim, minha aversão não é pelo novo em termos daquilo que surge e muda. Mas, na utilização irrefletida de rótulos, chavões, termos que passamos a repetir como se fossem dotados de um misticismo capaz de, por si só, transformar algo. É como se vivêssemos em busca de um novo abracadabra a cada vez que nos cansamos do último. Por mais que estejamos vivenciando um misticismo semântico em várias frentes ideológicas, parece ingênuo achar que a mera utilização de determinados termos trará mudanças como que por encantamento ou alguma mágica!

Que venha o novo! E, não um qualquer. 

Aquele que estava assentado no trono disse: 
"Estou fazendo novas todas as coisas"

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Um pastor deveria se filiar a um partido político?

O que é um partido político?

Um partido político representa o desejo e a visão de um determinado grupo de pessoas da sociedade. Reúne pessoas que assumem uma ideologia em comum. Alguns pontos são centrais quando nos referimos ao partido político. Destaque para seu caráter associativo, a disputa pelo poder político em uma sociedade e, as motivações que levariam alguém a se filiar e disputar posições. 

Os partidos políticos, assim, numa realidade de política institucional e disputa de poder político para cargos de governo, possuem forte influência. Por seu caráter representativo dentro de um contexto democrático, um partido político é visto como uma organização que defende a visão e os interesses de uma parcela da população. Como os interesses e as visões de mundo divergem, é natural que haja diferentes partidos propondo-se a defender diferentes interesses.

Com base nesta resumida definição, poderíamos afirmar que quanto um pastor ou um padre se filia a um determinado partido político ele está explicitando sua preferência político-partidária e, até mesmo, ideológica. Isso, por si só, já constitui potencial de crise numa igreja considerando o caráter plural de uma comunidade ou membresia. Por mais aberto, democrático e tolerante que este líder religioso seja, foge ao seu controle o fato de que as pessoas passarão a julgá-lo segundo seus próprios compromissos políticos e ideológicos. 

Cada vez que um pastor sobe ao púlpito para pregar é necessário lembrar que o público diante de si é composto por uma pluralidade de ideias e posições. A partir do momento em que o pastor assumiu um determinado partido, uma divisão já se instala na comunidade. Admitimos que isso pode variar de acordo com o grau de consciência e engajamento político de uma comunidade de fé. O compromisso político ideológico de cada membro ofuscará a mensagem anunciada. A tendência, como é sabido, é simpatizarmos com aqueles que compactuam com a nossa visão de mundo. E, no contexto da disputa político partidária, no outro partido estão os adversários. 

Ao pastor, em sua defesa, cabe o argumento de que optou pelo melhor partido, por aquele que, em seu entendimento, mais se aproxima de uma causa, digamos, cristã, ou de justiça. Mediante isto, porém, ouvirá acusações e desmentidos de militantes de partidos concorrentes que reivindicam para si e sua sigla as mesmas virtudes. Quem, afinal, declararia simpatizar com um partido tirano, injusto e coisas do tipo? 

Antes de representar os interesses de um determinado grupo de cidadãos, um pastor se apresenta como uma pessoa vocacionada por Cristo e a Igreja para uma função específica: pregar o Evangelho e administrar os Sacramentos. Mediante isto, a serviço da missão de Deus, não cabe qualquer partidarismo ou discriminação quanto às pessoas em geral. 

Ademais, caberia ainda a pergunta pelo motivo que levaria um pastor a se filiar a um partido político. Pois se tiver clareza de sua vocação enquanto ministro religioso à serviço da Igreja de Jesus Cristo, onde mais terá, diante de si, público tão carente, tão plural, tão amplo em possibilidades a quem servir e amar? Por outro lado, caso sinta-se confuso em sua vocação, imaginando se não deveria adentrar também a carreira política de forma mais engajada, o que o impediria de fazê-lo? Nenhum impedimento desde que tenha clareza e liberdade para fazer a sua escolha. 

Muitos pastores certamente dariam bons representantes nas mais diferentes esferas de governo. A política é, sem dúvidas, um campo que requer bons representantes. É uma vocação legítima. Para isso, no entanto, deveriam respeitar os membros da igreja e os cidadãos em geral e abrir mão do ministério eclesiástico. Uma vez na política, passam por representantes de determinados segmentos da sociedade. Não gozarão mais da unanimidade (embora precária) de uma comunidade cristã. Ao fazê-lo, se afastarão também de outra tentação que consiste em instrumentalizar a igreja para os seus próprios fins políticos. Devem abrir mão, também, do título do qual tanto se orgulham, por vezes. Um vereador, um deputado ou prefeito não é chamado a pastorear, mas a legislar e gerir sobre o erário público. 

Afinal, 
um pastor deveria se filiar a um partido político?

A resposta, portanto, para a nossa pergunta, é NÃO. Um pastor, no exercício de sua função pastoral, estando a frente de uma igreja, não deveria se envolver abertamente com a política partidária. Caso a pregação da palavra chegue a causar alguma divisão, esta é uma possibilidade bíblica (Lucas 12.51-53). A divisão causada por partidarismo e politica se assemelha mais ao escândalo que, na igreja, somos aconselhados a evitar (2 Coríntios 6.3). 

Que fique claro ainda não tratar-se de uma proibição. Não estamos, de modo algum, sugerindo que esta deve ser uma questão do tipo 'pode' ou 'não pode'. Embora as denominações, enquanto instituições religiosas independentes, possam criar seu próprio regimento quanto a esta questão.

Ainda uma última palavra envolvendo o Evangelho e a política partidária. Um bom teólogo que é também um bom pastor sabe que a causa do Evangelho transcende toda e qualquer causa política e ideológica. Jesus é a medida perfeita de tudo o que é reto, belo, justo e bom. Assim, qual causa seria mais nobre do que esta? Anunciar o Evangelho que declara a graça de Deus, o perdão dos pecados, a reconciliação entre todas as coisas. Cabe, assim, aos pastores, serem fiéis ao seu chamado de pastorear um rebanho de ovelhas das mais diferentes matizes e, diante do governo e da classe política, ser uma voz profética. Caso optem pela carreira política, que ali sirvam fielmente de modo a serem uma benção para os cidadãos que representam!