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sábado, 8 de julho de 2023

O Novo Testamento não diz o que a maioria das pessoas pensa sobre o Céu*

O Novo Testamento não diz o que a maioria das pessoas pensa sobre o Céu Por: N. T. Wright**

Uma das histórias centrais da Bíblia, muitas pessoas acreditam, é que existe um céu e uma terra e que as almas humanas foram exiladas do céu e estão cumprindo seu tempo aqui na terra até poderem retornar. De fato, para a maioria dos cristãos modernos, a ideia de "ir para o céu quando você morrer" não é apenas uma crença entre outras, mas aquela que parece dar sentido a tudo.

Mas as pessoas que acreditavam nesse tipo de "céu" quando o Novo Testamento foi escrito não eram os primeiros cristãos. Eram os "Platonistas Médios" - pessoas como Plutarco (um contemporâneo mais jovem de São Paulo, filósofo, biógrafo, ensaísta e sacerdote pagão em Delfos). Para entender o que os primeiros seguidores de Jesus acreditavam sobre o que acontece após a morte, precisamos ler o Novo Testamento em seu próprio mundo - o mundo da esperança judaica, do imperialismo romano e do pensamento grego.

Os seguidores do movimento de Jesus que surgiram nesse ambiente complexo viam "céu" e "terra" - o espaço de Deus e o nosso, por assim dizer - como as duas metades da boa criação de Deus. Em vez de resgatar as pessoas desta última para alcançar a primeira, o Deus criador finalmente uniria o céu e a terra em um grande ato de nova criação, completando o propósito criativo original ao curar todo o cosmos de seus males antigos. Eles acreditavam que Deus então ressuscitaria seu povo dos mortos, para compartilhar - e, de fato, compartilhar a administração - desta criação resgatada e renovada. E eles acreditavam em tudo isso por causa de Jesus. Eles acreditavam que, com a ressurreição de Jesus, essa nova criação já havia sido lançada. Jesus incorporou em si mesmo a perfeita fusão do "céu" e da "terra". Em Jesus, portanto, a antiga esperança judaica se tornou realidade finalmente. O ponto não era para nós "ir para o céu", mas para a vida do céu chegar à terra. Jesus ensinou seus seguidores a orarem: "Venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu." Desde o século III, alguns professores cristãos tentaram mesclar isso com tipos de crença platônica, gerando a ideia de "deixar a terra e ir para o céu", que se tornou comum na Idade Média. Mas os primeiros seguidores de Jesus nunca seguiram por esse caminho.

As escrituras de Israel há muito tempo prometiam que Deus voltaria pessoalmente para habitar com seu povo para sempre. Os primeiros cristãos compreenderam isso: "O Verbo se fez carne", declara João [1:14], "e habitou entre nós." A palavra "habitou" significa, literalmente, "armar sua tenda" - aludindo à "tenda" do deserto nos tempos de Moisés e ao Templo construído por Salomão. O estudo histórico do Novo Testamento, em seu próprio mundo (em oposição a espremê-lo e torcê-lo para se adequar às nossas próprias expectativas), mostra que os primeiros cristãos acreditavam não que "iriam para o céu quando morressem", mas que, em Jesus, Deus havia vindo habitar com eles.

Foi por meio dessa lente que eles enxergaram a esperança do mundo. O livro do Apocalipse termina, não com almas subindo para o céu, mas com a Nova Jerusalém descendo à terra, para que "a morada de Deus esteja com os humanos". Toda a criação, declara São Paulo, será libertada de sua escravidão à corrupção, para desfrutar da liberdade pretendida por Deus. Então Deus será "tudo em todos". É difícil para nós, modernos, compreendermos isso: tantos hinos, orações e sermões ainda falam de nós "indo para o céu". Mas faz sentido histórico e lança luz sobre tudo o mais.

Então, qual era a esperança pessoal dos seguidores de Jesus? Ressurreição - um corpo físico novo e imortal na nova criação de Deus. Mas, após a morte e antes dessa realidade final, um período de descanso tranquilo. "Hoje", diz Jesus ao criminoso ao seu lado, "você estará comigo no Paraíso". "Meu desejo", diz São Paulo, enfrentando uma possível execução, "é partir e estar com o Messias, o que é muito melhor". "Na casa de meu Pai", Jesus assegurou seus seguidores, "há muitas moradas". Estas não são o destino final. Elas são o local temporário de descanso, antes da nova criação final.

O estudo histórico - ler o Novo Testamento em seu próprio mundo - traz surpresas que também podem impactar o cristianismo moderno. Talvez o mais importante seja uma nova, ou melhor, uma maneira muito antiga de ver a missão cristã. Se o único objetivo é salvar almas do naufrágio do mundo, para que possam deixar esta terra e ir para o céu, por que se preocupar em tornar este mundo um lugar melhor? Mas se Deus vai fazer pelo mundo inteiro o que ele fez por Jesus em sua ressurreição - trazê-los de volta, aqui na terra - então aqueles que foram resgatados pelo evangelho são chamados a desempenhar um papel, agora mesmo, no avanço da renovação do mundo.

Deus colocará o mundo inteiro em ordem, diz essa visão de mundo, e na "justificação" ele coloca as pessoas no lugar certo, pelo evangelho, para fazer parte do seu projeto de colocar as coisas no lugar certo para o mundo. A missão cristã inclui trazer sinais reais do avanço da nova criação para o mundo presente: na cura, na justiça, na beleza, na celebração da nova criação e no lamento pela dor contínua do antigo. As Escrituras sempre prometeram que quando a vida do céu viesse à terra por meio do trabalho do Messias de Israel, os fracos e vulneráveis receberiam cuidado e proteção especiais, e o deserto floresceria como a rosa. O cuidado com os pobres e o planeta torna-se então central, não periférico, para aqueles que pretendem viver na fé e na esperança, pelo Espírito, entre a ressurreição de Jesus e a vindoura renovação de todas as coisas.

*O texto é uma tradução do original publicado AQUI
** O Prof. N. T. Wright é atualmente Professor Emérito de Pesquisa do Novo Testamento e Cristianismo Primitivo no St Mary's College, da Universidade de St Andrews, e Pesquisador Sênior do Wycliffe Hall, Oxford.