O desenvolvimento do paladar e o consumismo nos modelos de igreja
Bebidas como o vinho e o café possuem características em comum. Ambas podem
ser encontradas numa variedade quase infinita.
Eu cresci em meio aos cafezais. Estados como Minas Gerais e Espírito Santo são
ricos nessa cultura que fascina tantas pessoas. Além das características dos
diferentes cafés é possível falar também de variedade e qualidade.
Hoje moro numa região de vinícolas. A serra gaúcha é famosa por seus
parreirais, uvas, sucos e vinhos. Em minhas andanças pelo sul do nosso Brasil
fui descobrindo que, assim como fazíamos no interior do estado do Espírito Santo,
colhendo, secando, torrando, moendo e passando o nosso próprio café, também
muitos pequenos produtores de uvas fazem o seu suco e o seu vinho
artesanal.
Relembrando aquela experiência com o café, uma coisa que hoje consigo
discernir é que não havia muita preocupação em procurar fazer algo requintado,
especial, diferenciado. As famílias simplesmente tomavam café. Era aquele único
café: preto, puro, geralmente servido num copo americano. Especialmente o café
do tipo arábica que, diziam, é mais próprio para se beber. Os gostos
não estavam num refinamento que discerne as sutilezas do sabor de um 'bom'
café. Podia variar na torra, se mais fraco ou mais forte, mais quente ou mais
frio, com o sem açúcar. Geralmente ficava por aí! Assim, a maioria dos
produtores de café, falando especialmente dos pequenos produtores, talvez
ainda hoje jamais tenham provado aquilo que nos grandes centros se toma como
um 'bom' café, os cafés finos e tal. Eles tomam café com pão, com brote,
com bolo, com língua (expressão utilizada quando a situação era
precária e não havia o que comer - só tinha mesmo o cafezinho puro, sem nada
pra comer ou acompanhar).

Especialistas concordam que o paladar do ser humano é treinado. Podemos
desenvolver o gosto pelas coisas. Existe, inclusive, a expressão 'alfabetizar
o paladar'. Quem nunca lutou contra a dificuldade de fazer as crianças comerem
coisas saudáveis?
Para não tornar essa introdução longa demais, fato é que se insistirmos em
provar diferentes vinhos bem como diferentes cafés, notaremos que, com o
tempo, não conseguiremos mais tomar aquelas bebidas feitas de qualquer jeito,
ignorando as característica do fruto, a falta de cuidado no processo de
produção, desatenção à qualidade da matéria prima. Diríamos agora que não mais
tomamos café ou vinho. Somos apreciadores de um bom café ou um bom vinho.
Nunca mais você conseguiu ir ao supermercado e sair de lá com um daqueles
garrafões de vinho barato ou com uma lata de café solúvel.
Se você ficou curioso para saber aonde pretendo seguir com essa conversa toda
ou, o que isso tem a ver com esse blog, eu digo: muitas igrejas, com um desejo
e um planejamento bem intencionado de serem missionais, contemporâneas,
seguiram bons princípios que geraram crescimento da congregação, maior
frequência aos cultos e programas da igreja. Assim como bons cafés e bons
vinhos miram um público mais seleto, de gosto refinado, muitas igrejas também
trataram de aprender com os Shopping Centers.
Aplicaram princípios que melhoraram a qualidade de suas instalações,
oferecendo banheiros limpos e cheirosos, espaços amplos e confortáveis,
estacionamentos próprios e seguros, espaços e programas excelentes para as
crianças, uma pregação cativante, com temas inspiradores e atuais, músicos
profissionais capazes de conduzir a uma experiencia de adoração envolvente,
tudo com um planejamento de comunicação e marketing profissional, garantindo
que a semana seguinte será ainda melhor. Nada disso é, em si, ruim. Assim como
não há qualquer problema em querermos desfrutar de um bom vinho. O problema é
que, assim como quem desenvolveu seu paladar para apreciar um bom café e um
bom vinho não consegue mais tomar 'qualquer' café, 'qualquer' vinho, essa
ênfase no crescimento da igreja, na igreja atraente, confortável e
sofisticada, acaba focando um público seleto, um segmento classe média da
sociedade já bastante acostumado com esse tratamento vip. Um pessoal exigente.
Outros, que em termos de experiencia de igreja, foram mimados e tiveram seus
'paladar' eclesiástico alfabetizado nesses novos modelos, caso um dia se
mudem, ou, se decepcionem e queiram procurar outra igreja, dificilmente se
acostumarão novamente aos modelos, digamos, 'artesanais' ou, simplesmente,
tradicionais de igreja.
Os garrafões toscos, as garrafas pet, as latas e vidros de solúvel, foram
feitos para as massas. É o simples e barato que não atrai mais. Minha coleção
de rolhas revela que aprendi a apreciar as coisas finas!
Essas pessoas peregrinarão em busca, não do Evangelho, mas, de uma experiencia
de consumo satisfatória para elas. É o que
Alan Hirsch chama de
modelo de igreja alternativa que, geralmente, se apresentam como espaços
atraentes ao cliente que busca por espiritualidade e experiência religiosa. O
problema é que esse tipo de proposta sempre poderá ser superada por outra. E,
o consumidor tende a optar por aquele que lhe oferece maiores vantagens ou,
algo mais ao seu 'gosto'. Não surpreende termos um público que se declara
cristão ao mesmo tempo que não consegue se encontrar em nenhuma comunidade
local.
O mercado de consumo forma consumidores ávidos pela novidade, pela próxima
degustação, de preferência, grátis!
O primeiro milagre de Jesus foi transformar água em vinho em uma festa. E, ao
que tudo indica, foi um bom vinho. Não há nenhum problema em aprendermos a
apreciar e a desenvolver coisas boas. Deus criou o mundo e na sua avaliação tudo
era bom, muito bom. Nossos ambientes, programas e estruturas não precisam ser
algo precário, sujo, remendado, escorado, desconfortável. Jamais.
No entanto, cabe o desafio de refletirmos se estamos conseguindo desafiar as
pessoas com o Evangelho de Jesus Cristo, atuando para formar comunidades de
fé, ou, simplesmente temos investido tempo, recursos e energias para
satisfazer um ímpeto consumista que confunde a fé com produtos bem embalados
em mensagens de auto ajuda. Uma coisa é satisfazer consumidores. Outra é fazer
discípulos. O que Jesus pediu é o segundo. Nas palavras de Alan Hirsch,
"o consumo é prejudicial ao discipulado".
Por mais que possamos desenvolver o nosso paladar para as boas coisas da vida,
o indispensável continuará sendo aquilo que nutre, matando a sede e a fome
todos os dias.
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