quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Pare de Sentir Pena de Si Mesmo!

Veja se isto ressoa com você: sente-se desestimulado diante de novos desafios? Falta motivação? Receia enfrentar certas situações? Os problemas parecem sempre maiores do que você pode lidar? Frequentemente, fica imobilizado por circunstâncias que surgem, a ponto de querer desaparecer? Parece que tudo está contra você? Isso é bastante comum.

Mas, e se eu disser que não tem que ser assim? Neste artigo, vamos discutir como deixar de nutrir o sentimento de sermos vítimas do mundo e assumir, de uma vez por todas, a responsabilidade por quem somos!

Você pratica exercícios físicos? Se sim, provavelmente entende o motivo: manter um corpo saudável, forte e pronto para os desafios cotidianos. Mas e a sua mente? Você se dedica a exercitá-la e mantê-la saudável? Além disso, em relação às suas emoções, você sabe como gerenciá-las para melhor administrar o conhecimento e controlar seus sentimentos? Muitas pessoas não sabem que o autoconhecimento e a capacidade de gerenciar as emoções podem simplificar a vida, melhorar o enfrentamento dos problemas diários e até mesmo revitalizar nosso ânimo perante a vida.

Existem diversas técnicas, livros, cursos e dicas que podem ajudar você a lidar melhor com você mesmo e com as suas emoções. 
Não adianta ter um super cérebro, um QI altíssimo, um cérebro que já nem cabe no crânio quando o peito tá vazio, quando o coração não tem vez.
Existe uma palavra de Sabedoria muito antiga que diz o seguinte:

Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida” (Provérbios 4.23).

A Bíblia é um livro incrível que nos conta a mais importante de todas as histórias. Ela é um conjunto de diversas narrativas e personagens que fazem parte da Grande História.

Da mesma forma, somos seres únicos, experimentando momentos singulares e construindo relacionamentos exclusivos, enquanto vivemos entre muitas pessoas dentro de uma comunidade, formando o povo de Deus na Sua Grande História. E nesta caminhada, temos muito o que aprender com homens e mulheres cujas vidas foram transformadas e tocadas por Deus.

Frequentemente, somos induzidos a acreditar que ao nos tornarmos cristãos, tudo se transforma instantaneamente. De fato, muitas mudanças ocorrem, mas a conversão e o reconhecimento do amor de Jesus representam apenas o início.

Viver uma vida completa em Deus implica um processo conhecido como discipulado. O discipulado é, essencialmente, permitir que, na jornada com Jesus, sejamos transformados dia a dia, tanto em nosso caráter quanto em nossa maneira de agir, tendo Jesus como nosso exemplo.

Este processo de transformação implica em abandonar certas coisas. Coisas como vícios, hábitos, temperamentos, falhas morais e desvios de caráter. E uma das coisas que você deve deixar para trás é o sentimento de autopiedade. Você conhece alguém assim? Não é necessário responder; provavelmente já sei a resposta. No entanto, não quero que você seja um reflexo para o outro. Quero que você se concentre em si mesmo. 

Se você é uma pessoa que se faz de vítima, que sempre chora pelo leite derramado, que está sempre procurando alguém para culpar pelos seus fracassos, que fica remoendo o que os outros lhe fizeram: pare! Você precisa se libertar disso. Você precisa parar de sentir pena de si mesmo. Você não é uma vítima. Você não é a única pessoa injustiçada deste planeta, nem a mais injustiçada. Se o lamento, as desculpas, a pena que você sente por si mesmo estão te paralisando, então reaja. A situação extrapolou e você está deixando de viver todo o potencial que Deus tem para você.

Convido você a seguir a história de alguém que, apesar de ter todos os motivos para querer fugir e se esconder em seu quarto, permanecendo em posição fetal e lamentando sua má sorte, nunca o fez, mesmo diante de todas as adversidades e injustiças enfrentadas. Como ele conseguiu superar isso?

Acompanhe-me nesta narrativa que irá tocar seu coração e, mais do que isso, inspirá-lo a adotar uma nova postura frente aos desafios que a vida impõe.

A quem me refiro? Falo de José, da Bíblia. Não do homem que se uniu a Maria, mãe de Jesus, mas de um José que viveu muito antes. Sua saga está documentada no Antigo Testamento, no livro de Gênesis.

Há diversas formas de interpretar a trajetória de José e extrair ensinamentos significativos. Neste vídeo, pretendo explorar a vida de José através das dificuldades que enfrentou, mostrando como ele superou cada uma delas e se reinventou.

Para começar, José era simplesmente um dos filhos de um dos três grandes patriarcas do povo de Israel. Isso já era significativo. Frequentemente pensamos que apenas os pobres, os anônimos, os humildes e aqueles sem perspectiva de vida sentem pena de si mesmos, mas isso não é verdade. 

José era um dos mais novos em uma família de 12 irmãos. Inicialmente, ele não tinha muitos motivos para se sentir inferior; de fato, não havia razão para que tivesse pena de si mesmo. Seu pai, Jacó, tinha uma preferência por ele e também por Benjamin, o mais novo. Jacó tinha mais afeição por esses dois porque eram seus filhos com Raquel, a mulher que ele verdadeiramente amou e por quem sempre lutou. Contudo, essa é uma história à parte.

José tinha outras razões para se sentir superior. Ele começou a ter sonhos nos quais era visto como uma pessoa de grande importância. Nos sonhos, as pessoas se inclinavam perante ele. Sua própria família, incluindo irmãos e pais, surgia nos sonhos prestando-lhe homenagens e reverências.

E você acredita que os irmãos gostaram de ouvir tais palavras vindas de José?

Pois bem. José orgulhosamente foi compartilhar esses sonhos com sua família. Os irmãos, especialmente os mais velhos, não apreciaram nem um pouco o que ouviram.
"Como assim nós vamos prestar reverência a você, garoto!?"
"Olha aqui, que história é essa!?"
"Está dizendo que nós, até mesmo o nosso pai, Jacó, vamos nos curvar diante de um moleque como você!?"
Certamente não foi um diálogo amigável, principalmente em uma cultura patriarcal, onde a sucessão favorecia sempre o irmão mais velho.
O velho Jacó não levou muito a sério, provavelmente lembrando-se das confusões que aconteceram quando ele próprio conseguiu usurpar a bênção do primogênito que era de Esaú.
Você está familiarizado com a história.

Mas voltemos ao jovem sonhador José. Seus irmãos ficaram extremamente irritados com ele. Eles estavam furiosos. É difícil imaginar o quanto os irmãos de José estavam enfurecidos com suas falas sobre sonhos de grandeza, vindo de um rapazote que ainda não estava preparado para o trabalho árduo, para enfrentar as tarefas de um homem adulto. Eles ficaram tão irados e indignados que, acreditem, começaram a expressar entre si, enquanto trabalhavam no campo, pastoreando as ovelhas, a ideia de eliminar o próprio irmão. Isso mesmo, eles não apenas pensaram, mas falaram e articularam um plano para matar... isso mesmo, assassinar o próprio irmão. Você tem noção do que isso significa?


É necessário muito rancor, muito ódio e uma profunda ferida na alma para desejar a morte do próprio irmão. E por quê? Apenas porque ele compartilhou alguns sonhos excêntricos? Isso justifica tal desejo? Atualmente, as pessoas têm menos filhos, não é? Aparentemente, apenas os muçulmanos ainda creem que povoar a terra é um mandamento divino. A maioria dos cristãos não segue mais essa premissa. Quando decidem ter filhos, é um ou no máximo dois. Preferem ser pais de animais de estimação.


Mas para alguém como eu, que cresceu em uma família tradicional com quatro irmãos, é sabido que desafios são comuns. E a geração dos meus pais, que se assemelhava à família de Jacó com seus 12 filhos... nossa, quantas histórias para contar! Então, em um dia qualquer, os dez irmãos mais velhos de José estavam no campo, trabalhando, batendo papo, tramando, até que um deles teve a infeliz ideia: "E se a gente desse um fim nesse garoto?" Imagine o ambiente naquela família! Dez pessoas, dez irmãos conspirando para matar um dos mais novos. José tinha apenas 17 anos. Você levaria a sério o relato de um sonho de um adolescente de 17 anos? Chegaria ao ponto de matar seu próprio irmão por isso? "Olha lá. Ele está vindo, o sonhador! Vamos aproveitar que estamos longe de casa para resolver isso. Podemos sujar, rasgar suas roupas e manchá-las de sangue, depois levamos ao pai e dizemos que uma fera o atacou e nada restou dele". Que ideia genial. Então, um dos irmãos mais velhos, que tinha um pouco mais de sensatez, mas não muita, sugeriu outra coisa. ‘Será que precisamos matá-lo? Podemos vendê-lo como escravo. Em casa, diremos que uma fera selvagem o devorou e pronto. Não há necessidade de matar. É só pegar uma daquelas caravanas de estrangeiros que sempre passam por aqui. Eles levarão o menino e ninguém mais terá notícias dele... Olha, estão vindo uns ismaelitas. Se comprarem, vão levar José para tão longe que nunca mais ouviremos falar dele!’ E assim foi feito.


Você consegue se colocar no lugar de José?


A própria família! Os irmãos! É inacreditável! Sim, acontece em alguns casos. Quando as pessoas do ambiente onde você deveria se sentir mais seguro e protegido se voltam contra você... é muito difícil. E por quê? Só porque compartilhei alguns dos meus sonhos? Bem, provavelmente havia algo mais. Inveja, ciúmes, ser o queridinho do pai... Mas, sério, querer me matar, me vender como escravo? Me mandar para longe como se eu fosse uma mercadoria indesejável? Isso é demais. Meu mundo desabou. Todos estão contra mim. Ninguém me ama. Assim, fica difícil viver. Que sonhos posso ter agora?

A Bíblia não menciona que José se entregou à autopiedade. Pelo contrário, ele permanece silencioso. É levado como um cordeiro mudo e sem defesa. O texto não relata um murmúrio, um lamento sequer, nem uma única palavra amaldiçoando seu destino. Absolutamente nada que indique que José sentia pena de si mesmo. Quando a caravana chegou finalmente ao Egito, os ismaelitas que tinham comprado José o venderam a Potifar, "oficial do faraó e capitão da guarda" (Gênesis 37.36).


José poderia ter pensado: "Sabe de uma coisa? Vou ser o pior escravo que o Egito já viu. Farei apenas o essencial. Não escolhi estar aqui. Estou aqui à força, contra minha vontade. Vou adotar a lei do menor esforço e, na primeira oportunidade, eu fujo daqui." No entanto, José se empenha no trabalho que tem a fazer. E o faz com excelência. Em vez de lamentar a vida, as circunstâncias, ou de tramar vingança contra seus irmãos, ele encara o desafio, faz o que deve ser feito e o faz bem. E o resultado? José prospera e abençoa as pessoas ao seu redor. Então você pensa: ótimo, agora sim, só vem bênção, só vem vitória. Oh, Glória!


José estava indo tão bem que acabou sendo promovido e passou a morar na casa do capitão da guarda, ganhando mais responsabilidades. O texto bíblico relata que Potifar "ficou satisfeito com José e o fez administrador de sua casa, confiando-lhe todos os seus bens" (Gênesis 39.4). Para José, as coisas pareciam ir incrivelmente bem. Para um escravo? Um estrangeiro? Para alguém rejeitado pela própria família, cujos irmãos desejavam sua morte? Entretanto, surgiu outra armadilha. José, jovem e vigoroso, chamava a atenção das moças, mas não apenas das jovens egípcias. A esposa de seu patrão também começou a investir nele. Que complicação.


Como escapar de tal confusão? José resistiu. "Não, que isso, você é casada, eu sirvo ao seu marido, jamais poderia ter algo com você, mulher, sai fora!" Entretanto, a mulher persistiu. Quando José percebeu que a situação não terminaria bem, ele fugiu correndo. A mulher partiu para cima dele, agarrando-o, e José saiu em disparada... Porém, ela conseguiu agarrar a túnica de José, ficando com a peça de roupa em mãos. Para se vingar, acusou José de tê-la assediado. A quem você acha que as pessoas acreditaram? Em qual história você acha que Potifar acreditou? Na de José ou na da esposa?


Infelizmente, pessoas com mais poder e status tendem a prevalecer com suas mentiras e narrativas. Instituições e indivíduos que detêm títulos e cargos de poder influenciam significativamente as pessoas. Potifar, como era de se esperar, acreditou na esposa, e José foi parar na prisão. Lamentavelmente, o mundo é assim, e a justiça nem sempre triunfa. José foi encarcerado. Ele não foi aprisionado por ter cometido algum erro, mas sim porque agiu corretamente. Às vezes penso que, como nunca fui preso, talvez esteja fazendo muita coisa errada 😕.


José está preso. Como será que ele se sente na prisão? Será que ele está chutando as paredes? Amaldiçoando os irmãos que o enviaram para aquele lugar horrível? Xingando a mulher do patrão por seduzi-lo e depois mentir? Maldizendo Potifar, pensando 'sempre fiz tudo por esse homem, fui leal, nunca menti. E ele me joga na prisão sem sequer considerar minha versão dos fatos?' "O mundo é tão injusto. Justo quando as coisas pareciam que iriam melhorar para mim. Estou desistindo. Sou mesmo um fracassado. Só me dou mal! Não é justo!"


José está preso, mas não se lamenta. Ele não se coloca como vítima da sociedade. A Bíblia sugere ser diferente. Não vemos um José abatido ou batendo nas paredes da cela. Ausentes estão as palavras de amargura ou anseios de vingança. Seria compreensível se José expressasse alguma reclamação ou frustração, mesmo que momentaneamente. Contudo, o que observamos na prisão é o mesmo José que foi escravo de Potifar. Rapidamente, ele conquista a confiança do carcereiro, que o coloca à frente de todos os prisioneiros, tornando-o responsável por tudo o que acontecia ali, conforme Gênesis 39:22.


"Acabei aqui injustamente, vou me dedicar à musculação, fazer tatuagens, causar impacto, aprender com os astutos daqui e, quando sair, todos verão, vou confrontar cada um!" Não, nada disso. José é o tipo mais "careta". Ele fará o que sabe. Vai gerenciar, estabelecer ordem, planejar. Vai se empenhar em melhorar o lugar, transformar o ambiente para o bem de todos ali. Inacreditável, mas é a realidade! Está tudo aqui, é só ler Gênesis!


O texto relata que o carcereiro não tinha preocupações na prisão, pois José gerenciava tudo. O carcereiro estava tranquilo, reconhecendo que José era uma pessoa comprometida e confiável. José não se entregava à autopiedade, nem se lamentava pelas injustiças passadas. Ele enfrentava os desafios de frente. Se o leite derramava, ele não hesitava em buscar a solução. José encontrava-se em uma prisão especial, destinada aos que infringiam as leis da alta corte egípcia. Foi lá que, em um determinado dia, chegaram dois homens acusados de ofender o próprio faraó. Eles eram funcionários de extrema confiança do faraó, especificamente o copeiro e o padeiro reais, responsáveis pela alimentação da corte. O caso ainda estava sendo investigado, e ambos foram detidos preventivamente até que se determinasse qual deles era realmente o culpado.


Num dia qualquer, José percebeu que seus companheiros estavam tristes, abatidos e desanimados, talvez se sentindo vítimas das circunstâncias. José, porém, não se juntou a eles para lamentar. Ele era atento e empático, sempre observando o que acontecia ao seu redor.


Os novos colegas de prisão estavam inquietos com os sonhos que tiveram na noite anterior. José encorajou-os a compartilhar seus sonhos e, em seguida, interpretou o significado de cada um. Ambos estavam presos, mas uma investigação estava em andamento para encontrar o verdadeiro culpado. Três dias após os sonhos, foram levados perante o rei. Conforme José havia interpretado, um foi condenado à morte e o outro foi libertado e restabelecido em seu cargo de copeiro real.

Parece que José passou vários anos encarcerado. Segundo o autor do Gênesis, aproximadamente dois anos depois do episódio em que interpretou os sonhos dos servidores do rei, o próprio Faraó foi assolado por sonhos enigmáticos. O Egito contava com seus magos e sábios, que foram chamados para decifrar os sonhos do soberano. Contudo, nenhum conseguiu oferecer uma explicação convincente. Foi nesse momento que o copeiro recordou-se de José e de sua habilidade precisa em interpretar sonhos anteriormente, e rapidamente o recomendou ao Faraó.


O faraó ordenou que lhe trouxessem o prisioneiro que interpretava sonhos. Para ser breve: José interpretou o sonho do Faraó e, além disso, ofereceu um plano completo para o governo lidar com a situação. O sonho previa sete anos de abundância seguidos por sete anos de escassez. A fome afetaria não apenas o Egito, mas também as regiões vizinhas, resultando em uma crise sem precedentes. José disse: "Veja, seu sonho indica que haverá esta sequência de eventos. No entanto, existe uma solução, e eu posso compartilhá-la se me permitir." José não só interpretou o sonho para o rei, mas também sugeriu uma estratégia que não estava implícita no sonho.


Eu insistirei em mostrar para você exatamente como está na Bíblia. Veja o que José disse ao Faraó do Egito:

"Que o Faraó procure um homem sábio e prudente e o coloque no comando do Egito. O Faraó deve também designar supervisores para arrecadar um quinto das colheitas do Egito durante os sete anos de abundância. Eles deverão juntar o máximo possível durante os anos prósperos que se aproximam e acumular trigo, que será guardado sob a autoridade do Faraó nas cidades. Esse armazenamento servirá como reserva para os sete anos de escassez que se abaterão sobre o Egito, para que a terra não seja devastada pela fome" (Gênesis 41.33-36).


José não apenas relatou o problema, mas também apresentou imediatamente uma solução viável. Ele tinha um plano, uma estratégia para superar a adversidade iminente. Não apenas o Faraó, mas todos os seus conselheiros ficaram impressionados e reconheceram que José tinha um plano sólido. Ele realmente é impressionante!

Se fosse outra pessoa, poderia ter arruinado tudo. Se fosse alguém que se sentisse injustiçado, poderia ter confrontado o faraó dizendo: "Ó rei, antes de tudo, preciso dizer algo. Você está ciente de que estou preso sem justa causa, não está? E agora vocês, da elite capitalista opressora, querem se aproveitar de mim, querem minha ajuda, certo?"

Não, quem se apresenta diante do faraó não é o refém de um coitadismo revolucionário ressentido.

Quem se apresenta é um homem decidido, determinado, comprometido em realmente contribuir para a melhoria de todos.

Acompanhado de seus conselheiros, o poderoso rei do Egito se volta novamente para o prisioneiro há anos esquecido: "Já que Deus lhe revelou tudo isso, não existe ninguém tão prudente e sábio quanto você. Você governará meu palácio, e todo o meu povo obedecerá às suas ordens. Apenas em relação ao trono serei superior a você". E o faraó declarou: "Concedo-lhe agora o governo de toda a terra do Egito" (Gênesis 41.39-41). Quem imaginaria, José!? Quase morto, vendido como escravo pelos próprios irmãos, injustiçado, preso, esquecido. Resumindo a história, José salvou o Egito da fome. E não apenas o Egito; povos das regiões vizinhas, ao saberem que o Egito tinha reservas de alimento, dirigiam-se para lá em busca de socorro. E, vejam só: até sua própria família, seus irmãos, foram ao Egito em busca de comida.


E então acontece algo extraordinário. José reconhece seus irmãos, mas eles não o reconhecem. José envelheceu e se tornou o primeiro-ministro do Egito, um homem de grande poder. Quem diria que o jovem vendido como escravo alcançaria tal posição? José se vê diante da oportunidade perfeita para se vingar. O que ele fará? Ele elabora um plano para que seus irmãos retornem ao lar e tragam todos, inclusive o idoso pai Jacó, ao Egito. José se revela e todos choram; é uma catarse coletiva repleta de surpresa, alegria, medo e alívio. E José perdoa sua família, perdoando os irmãos por tudo o que fizeram.


José pratica um princípio central da fé cristã, essencial para reparar relações entre as pessoas: o perdão. Ele emprega a ferramenta mais poderosa que existe: perdoar. Não há solução mais eficaz para resolver conflitos e se desvencilhar das correntes do passado do que perdoar. José perdoava, e por isso, não se deixava aprisionar pelo ressentimento, pelas mágoas ou pela sensação de injustiça; ele não dispunha de tempo para autocomiseração.


Com sua atitude, ele auxiliou muitos, incluindo sua própria família. A história de José, conforme narrada em Gênesis, mostra que Deus o acompanhava. E foi a forma como ele confiou e enfrentou cada adversidade que permitiu a Deus realizar feitos ainda maiores através de sua vida.

José, além de realizar um excelente trabalho em todo o Egito, teve esposa e filhos. Veja como ele nomeou seus filhos: 

"Ao primeiro, José chamou de Manassés, dizendo: 'Deus me fez esquecer de todas as minhas aflições e da casa de meu pai'. Ao segundo, deu o nome de Efraim, pois 'Deus me fez prosperar na terra do meu sofrimento'" (Gênesis 41.51,52).


Em hebraico, Manassés significa "esquecimento".
Embora o texto nunca mostre José como alguém que murmura, ressentido ou que se lamenta como vítima da sociedade, isso não implica que ele não tenha experimentado momentos de raiva, medo, angústia e sofrimento.
A questão é: como ele lidou com isso?
O nome do segundo filho, Efraim, significa "frutífero", "fértil", "aquele que multiplica".
Mesmo que o texto não mostre José como alguém que se queixa ou reclama dos problemas, essa passagem evidencia sua consciência de tudo o que enfrentou. José foi uma bênção por onde passou. Como administrador de confiança do faraó, seu trabalho gerou bênçãos que se estenderam para além das fronteiras do Egito.

Para que não pense que esta é apenas uma linda história de autoajuda, de alguém inspirador e resiliente que confiava em si mesmo, leia a parte em que José se revela à sua família. É crucial entender isso para evitar mal-entendidos:

"Eu sou José, o irmão que vocês venderam para o Egito! Não se angustiem nem se culpem por me terem vendido, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou à frente de vocês. Já se passaram dois anos de fome na terra, e nos próximos cinco anos não haverá plantio nem colheita. Mas Deus me enviou antes de vocês para preservar um remanescente na terra e para salvar suas vidas por meio de um grande livramento. Portanto, não foram vocês que me enviaram para cá, mas sim Deus. Ele me fez governador do Faraó, administrador de seu palácio e regente de todo o Egito. Retornem rapidamente ao meu pai e digam-lhe: 'Assim diz seu filho José: Deus me fez senhor de todo o Egito. Venha até mim sem demora'" (Gênesis 45.4-9).

Observem como José interpretou sua própria história. Ele poderia ter adotado uma narrativa de vitimização, de injustiçado, de azarado, ou de alguém que acredita que o mundo está contra ele. No entanto, José não fez isso!
José redefiniu sua história sob a ótica do que Deus estava realizando. Ele não aponta os irmãos como culpados, nem se exalta.
Ele não se deixa levar por sentimentos de vingança, nem espera adulação dos outros.

José não compreendeu sua trajetória focando no mal que experimentou, mas sim na bênção que Deus proporcionaria a muitos.

Pessoas que buscam e encontram força em Deus, que se detêm para refletir sobre os eventos da vida e permitem que Deus examine seus sentimentos, não permanecem imóveis, lamentando-se ou remoendo o tratamento recebido dos outros. Elas avançam, conscientes de que Deus tem mais à frente, novas bênçãos preparadas!

É natural ficar triste, chorar ou sentir raiva. Somos seres frágeis e temos nossos momentos de vulnerabilidade. Contudo, não permita que esses sentimentos o prendam. Supere-os, e evite desperdiçar tempo e energia com o que não pode ser alterado.

Observe que, embora José tenha encontrado pessoas que lhe causaram dano, ele também encontrou muitas que lhe estenderam a mão. Não se concentre somente naqueles que desejam o mal. Há muitas pessoas dispostas a ajudar por aí!

Derramou o leite? Não se abale, vá atrás da vaca. A fonte é abundante.

As situações estão difíceis, tudo parece complicado? Recorde-se de quem está acima de tudo, transcendendo as circunstâncias. Confie naquele que é o Senhor da História!














sexta-feira, 12 de julho de 2024

Martim Lutero e a Descoberta da Doutrina da Justificação pela Fé

 Um Olhar sobre o "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça"

Martim Lutero é uma figura central na história do Cristianismo, cujas contribuições foram fundamentais para a Reforma Protestante. Sua jornada teológica foi marcada por uma profunda reflexão e pesquisa, culminando na transformação espiritual que o levou a descobrir a doutrina da justificação pela fé. Essa descoberta trouxe alívio espiritual e clareza teológica para Lutero e foi comunicada de maneira eloquente em seu "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça"[1]. Esse sermão revela um dos primeiros esforços de Lutero para comunicar suas descobertas para as pessoas.

A Angústia e a Busca pela Verdade

Antes de sua epifania teológica, Lutero era profundamente perturbado pela expressão "justiça de Deus", encontrada nos Salmos e na Epístola aos Romanos. Ele entendia essa justiça como a retidão divina que condenava os pecadores. Lutero, em sua busca por compreensão, foi guiado por um esforço persistente em decifrar o verdadeiro significado das Escrituras. Após muita pesquisa e reflexão, especialmente nas Epístolas de Paulo, ele compreendeu que a "justiça de Deus" revelada no Evangelho é, na verdade, a justiça que Deus concede gratuitamente aos crentes por meio da fé em Cristo.


A Revelação Transformadora

A chave para a descoberta de Lutero foi Romanos 1:17, que declara: "Pois no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: 'O justo viverá pela fé.'" Lutero percebeu que essa justiça não era uma condenação, mas um dom divino que justifica o crente. Essa justiça de Deus, imputada ao pecador, transforma a relação entre o homem e Deus, libertando o crente do medo e da culpa do pecado.

Contexto Histórico e Teológico

Entre 1513 e 1518, enquanto lecionava e expunha os Salmos e as Epístolas aos Romanos, Gálatas e Hebreus, Lutero gradualmente formulou a doutrina da justificação pela fé. Ele se baseou em várias passagens bíblicas, incluindo:

  • 1 Coríntios 1:30: "É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção."
  • Romanos 4:5: "àquele que não trabalha, mas confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça."

Essas passagens foram fundamentais para Lutero distinguir entre a justiça passiva, recebida pela fé em Cristo, e a justiça ativa, resultante das boas obras praticadas em resposta à graça recebida.

"Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça": Comunicação das Verdades Redescobertas

O "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça" reflete a tentativa de Lutero de comunicar suas descobertas ao público. Nele, ele distingue entre:

  1. Justiça Alheia (Passiva): A justiça imputada de Cristo, que justifica o crente diante de Deus.
  2. Justiça Própria (Ativa): A justiça vivida e praticada pelo crente, como fruto da fé e resposta à graça divina.

Lutero afirmou no sermão: 

"Portanto, esta é a justiça cristã: ela não é ativa, mas passiva. Dizemos que é justiça passiva porque não nos tornamos justos por meio de nossas obras, mas recebemos justiça ao permitir que Deus nos torne justos."

Publicação e Impacto

Não se sabe ao certo quando Lutero proferiu este sermão, mas é provável que tenha sido no Domingo de Ramos de 1518 ou 1519. Em uma carta datada de 13 de abril de 1519 a João Lang, Lutero reclamou que o sermão havia sido publicado em Wittenberg sem sua autorização. Em resposta, ele próprio o publicou no mesmo ano para assegurar a precisão de sua mensagem.

Conclusão: A Redescoberta que Transformou o Cristianismo

A redescoberta da doutrina da justificação pela fé por Lutero foi um marco que moldou a teologia cristã e deu início à Reforma Protestante. O "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça" de Martinho Lutero destaca a distinção crucial entre a justiça que justifica (recebida pela fé) e a justiça que é vivida (fruto da fé). A primeira é concedida por Cristo e recebida pela fé, enquanto a segunda é a manifestação dessa fé na vida do cristão. Essa teologia é central no pensamento protestante e continua a influenciar a compreensão cristã da justificação e da vida ética.

Lutero expressou essa visão ao dizer: 

"A primeira [justiça] é alheia, pois é a justiça de Cristo pela qual somos justificados; a segunda é nossa própria justiça, a graça de Deus e o fruto da fé."

Refletir sobre a jornada de Lutero e suas contribuições nos lembra da importância de buscar a verdade nas Escrituras e de viver uma fé que transforma nossas vidas e impacta o mundo ao nosso redor.

______________

[1] O Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça" de Martinho Lutero encontra-se traduzido para o português e publicado nas Obras Selecionadas de martim Lutero. Volume 1: Os Primórdios - Escritos de 1517 a 1519 . São Leopoldo: Sinodal, 1987. 

sábado, 22 de junho de 2024

Os Salmos Como Alimento e Esperança Na Jornada da Vida

Como manter a sanidade e a esperança quando as circunstâncias são extremamente desafiadoras? 

Além das pandemias, desastres naturais, crises políticas e econômicas, os valores morais estão cada vez mais comprometidos. Se nos concentrarmos excessivamente nas circunstâncias e nos nutrirmos espiritualmente somente através das notícias, inevitavelmente seremos vencidos. Contudo, a história do povo de Deus nunca foi isenta de adversidades. O que os manteve firmes diante dos desafios? Desde a escravidão no Egito até o exílio na Babilônia, encontramos exemplos de força, coragem e fé, mas também de medo, insegurança, dúvida e desespero.


As adversidades são uma constante:
"Observem! Os ímpios preparam seus arcos; posicionam suas flechas nas cordas para, das sombras, dispararem contra os de coração íntegro" (Salmos 11.2). 

É totalmente compreensível que recorramos aos Salmos em momentos assim.

O teólogo britânico N. T. Wright aborda o povo de Israel durante seu exílio e destaca a relevância dos Salmos:

"...pessoas às quais era impensável entoar o cântico do Senhor em uma terra estranha descobriram que, na verdade, entoar essas canções (e compor novos poemas) era uma das poucas coisas capazes de preservar sua sanidade e lhes dar esperança". 

Diante da violência, injustiça, adversidades e as aparentes arbitrariedades da vida, como permanecer fiel e ver as coisas sob a perspectiva de Deus?

"Quando os fundamentos estão sendo destruídos, o que pode fazer o justo?" (Salmos 11.3). 

Redescobrir os Salmos é reencontrar o mais belo e antigo hinário do povo de Deus. Jesus e os autores do Novo Testamento eram íntimos dos Salmos. Se para o povo de Deus os Salmos eram parte do cotidiano, o que perdemos hoje ao negligenciar esse texto precioso?

Se, conforme N. T. Wright ressalta, as pessoas do mundo judaico e os primeiros cristãos, incluindo Paulo e os outros apóstolos, "cantavam e oravam os Salmos, dia após dia, mês após mês, permitindo que o livro moldasse seu caráter, aprimorasse sua visão de mundo, orientasse sua interpretação das demais Escrituras e, sobretudo, nutrisse e sustentasse a vida ativa que levavam, alimentando esperanças que mantinham a confiança em seu Deus, o criador do universo, mesmo em tempos sombrios e desoladores", quanto estamos perdendo por negligenciarmos os Salmos?

O mundo em que Jesus viveu foi indubitavelmente moldado por práticas de oração centradas no livro dos Salmos. Se Deus, nosso Senhor e criador único de tudo, continua real e ativo neste mundo, se Ele veio habitar entre nós e prometeu retornar para estabelecer Seu reino definitivamente, então existe esperança. Os Salmos nos auxiliam a manter o foco no que é verdadeiramente essencial.

"O Senhor está no seu santo templo; o Senhor tem o seu trono nos céus. Seus olhos observam; seus olhos examinam os filhos dos homens" (Salmos 11.4).

domingo, 9 de junho de 2024

Como Utilizar o WhatsApp Para Pastorear Melhor a Igreja


Assim como o smartphone, o WhatsApp tornou-se um elemento comum na vida dos brasileiros. Não é necessário reiterar as vantagens dos meios de comunicação modernos e da interação social. Da mesma forma, não é preciso enfatizar todos os riscos e danos potenciais. Cabe ao cristão analisar, ponderar, discernir e aplicar tudo de forma mais produtiva. 
Então, surge a questão: como usar bem as ferramentas de interação social disponíveis? 
Este artigo tem um objetivo mais específico: como a igreja local pode empregar o WhatsApp para servir à sua missão? O WhatsApp pode ajudar a liderança e o pastor a servir melhor a igreja? Pastorear significa cuidar, acompanhar, visitar, aconselhar e, em suma, guiar o rebanho. O desafio pastoral aumenta com o número de membros da igreja. Como o pastor pode estar efetivamente presente na vida das pessoas? 


É importante esclarecer que não pretendemos sugerir que o WhatsApp ou qualquer outra ferramenta de rede social substitua o contato pessoal. Pastorear requer contato pessoal, face a face. O pastor deve conhecer suas ovelhas e, se ainda não as conhece, deve buscar conhecê-las. Estamos dizendo que redes sociais como o WhatsApp ou Telegram podem apoiar no acompanhamento, presença, cuidado, ensino e aconselhamento da igreja. Como um pastor pode usar eficazmente o WhatsApp para auxiliar seu ministério? Apresentamos iniciativas que podem potencializar o trabalho de liderança e pastoreio. Não é necessário implementar todas. Avalie o que se encaixa melhor na sua realidade.

1. Estabeleça uma estratégia distinta para cada dia da semana. 
O pastor, em sua missão eclesiástica, enfrenta diversos desafios: orar, evangelizar, ensinar, aconselhar, pregar e informar. Em vez de usar o WhatsApp aleatoriamente para diferentes tipos de mensagens e direcionamentos durante a semana, que tal organizar e formalizar os grupos da igreja? Refiro-me ao grupo geral da igreja, onde todos os membros são incluídos (abordaremos os grupos específicos mais adiante). Por exemplo, a igreja pode designar o domingo para pregações, a segunda-feira para orações, a terça-feira para formação, a quarta-feira para evangelização, e assim sucessivamente. Um tema central para cada dia. Diariamente, se possível pela manhã e sempre no mesmo horário, um vídeo, texto ou mensagem relacionado ao tema do dia é compartilhado. 
É crucial que esses grandes grupos sejam bem organizados e transmitam confiabilidade. Grupos desorganizados, com mensagens dispersas enviadas a qualquer hora, tendem a ser desmotivadores. Além disso, esses não devem ser espaços para debates e interações que possam levar a discussões infrutíferas. Portanto, é recomendável que o grupo seja configurado para não permitir respostas, e que somente o pastor ou uma pessoa designada por ele faça as postagens. Os membros devem ser instruídos a enviar dúvidas e comentários diretamente para outro canal, onde possam ser prontamente atendidos.

2. Grupos por Interesse. 
Cada igreja organiza-se com diferentes iniciativas, abordagens e ministérios, o que leva à criação de grupos de WhatsApp de acordo com os ministérios e idades dos membros. Casais, crianças, jovens, homens, mulheres, adolescentes, recém-convertidos, veteranos, entre outros, são grupos que necessitam de abordagens e conteúdos distintos. Devemos evitar os modelos de grupos aleatórios que se limitam a transmitir avisos e a programação da igreja e de seus diversos ministérios. Qual é o foco do grupo? Qual é a ênfase e a missão principal do ministério em questão? Como o grupo de WhatsApp contribui para a realização da missão desse ministério? 
Os grupos formados a partir dos diferentes ministérios da igreja devem servir para aprofundar o que é tratado de forma mais geral na igreja e no seu 'grupão'. Aqueles que precisam de evangelização podem optar por participar de um grupo com esse propósito. Quem deseja formação e aprofundamento bíblico vai querer fazer parte de um grupo que ofereça isso. Para tal, o pastor precisará certamente de apoio. Uma equipe de líderes será essencial.

3. Conteúdos de Qualidade.
Seguindo a tradição e a denominação, cada igreja tem seu perfil doutrinário próprio. A função do pastor inclui ser um guia espiritual para a congregação. Pastorear envolve proximidade, o que implica que, sempre que possível, o pastor deve estar presente na vida dos membros através dos conteúdos que lhes são enviados. Contudo, nem sempre isso é viável. Assim, é responsabilidade do pastor escolher materiais de qualidade para serem usados quando necessário. Com critério e discernimento, ele deve selecionar textos e vídeos para serem compartilhados conforme o planejamento em cada grupo de WhatsApp. 
É crucial que os grupos não se tornem apenas mais um canal de recebimento de conteúdo aleatório. Portanto, uma mensagem direta e pessoal do pastor é essencial, ao menos uma vez por semana em cada grupo. Uma forma de otimizar as oportunidades existentes para criar material é gravar a pregação dos cultos. Essa gravação pode ser compartilhada através de um link no 'grupão' da igreja aos domingos à tarde ou à noite.

4. Não menospreze o poder das redes sociais ou os membros da igreja. 
Menosprezar é não reconhecer o valor adequado. Significa avaliar por baixo. Independentemente da sua vontade, os membros da igreja estão nas redes sociais e consomem conteúdo online diariamente. A pergunta é: quais conteúdos os membros da sua igreja estão consumindo? A que tipo de conteúdo eles têm acesso? Quanto a igreja está contribuindo, fornecendo material de qualidade? No que diz respeito à internet e às redes sociais, muitas igrejas cometem o erro de salientar somente os aspectos negativos, criticando e alertando constantemente para os perigos desse ambiente virtual. Contudo, essa é uma batalha vã. Em vez de gastar energia combatendo, por que não redirecionar o foco e questionar como a igreja pode empregar essa ferramenta poderosa no serviço de evangelização e na construção de vidas?

Considerações
Utilizar o WhatsApp permite uma comunicação rápida e direta com os membros da igreja, facilitando o pastoreio e o cuidado com a comunidade. Permite, ainda, acompanhamento personalizado. Através do aplicativo, é possível acompanhar as necessidades individuais dos fiéis, oferecendo suporte e orientação espiritual de forma mais personalizada. Favorece a disseminação de informações. O WhatsApp é uma ferramenta poderosa para disseminar informações importantes, como horários de cultos, eventos da igreja e mensagens inspiradoras, porém, como vimos, há potencial para ir muito além disso. O objetivo é fortalecer a comunidade. A interação constante pelo aplicativo ajuda a fortalecer os laços entre os membros da igreja, criando uma comunidade mais unida e engajada.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Onde Está Deus na Tragédia?

Onde está Deus quando as tragédias acontecem? Por que Deus permite a dor e o sofrimento? Se Deus existe, porque tantas coisas ruins ocorrem? 

Tragédias como essa que se abate sobre o estado do Rio Grande do Sul em maio de 2024 são capazes de revelar o melhor e o pior do ser humano. Por um lado vemos pessoas politizando a catástrofe. Há quem diga tratar-se de um castigo merecido. Encontraremos aqueles que se aproveitam de momentos de escassez para faturar mais alto. bandidos aproveitam para saquear e assaltar enquanto tantos perecem. Por outro lado, uma grande rede de apoio e solidariedade se forma. Milhares de pessoas, a grande maioria de forma anônima, estão envolvidas em auxiliar, de algum modo, quem mais precisa. 
No momento da dor é legítimo que haja revolta, raiva, medo, angústia e dúvidas. De tudo que se pode questionar, nem mesmo Deus é poupado. 

O brasileiro, de modo geral, conhece uma divindade subserviente à vontade de sacerdotes que se apresentam como intermediários da benção. Um deus que estaria disponível para sempre abençoar e fazer prosperar aqueles que sabem cumprir o ritual sagrado, uma divindade a serviço de quem sabe manipular a melhor oração, e de quem conhece as artimanhas capazes de fazer a força divina agir a seu favor. O Deus cristão revelado na Bíblia, porém, não se deixa domesticar por discursos e práticas religiosas. Se Deus é Deus, Ele é quem é independentemente do que nós pensamos a seu respeito. 

A frustração que muitos podem experimentar diante de Deus quando as coisas não saem conforme o esperado, acontece não porque Deus deixou de ser Deus. Mas, porque o deus que nos foi apresentado é uma divindade idealizada para atender as nossas expectativas. Quando esse deus falha, nós o atacamos e, até mesmo, deixamos de crer nele. Na sua falta, acabamos atacando aqueles que dizem nele acreditar. 

Quando nós atrelamos a ocorrência de uma tragédia, seja ela pessoal ou mais ampla, envolvendo milhares de pessoas, à existência de Deus, devemos lembrar que a Bíblia jamais deixou de relatar as suas próprias tragédias. Em Gênesis temos o relato do dilúvio. Depois o povo de Deus passou anos e anos escravo no Egito. Mais adiante, esse povo sofreu no exílio e conheceu a opressão sob o jugo de nações estrangeiras. O Antigo Testamento também revela o emblemático caso de Jó. Enfim, o próprio Jesus foi preso, torturado, humilhado e condenado à pior das mortes daquele tempo.

Portanto, não, o Deus dos cristãos não é um Deus à serviço dos caprichos humanos, gostemos disso ou não. A nossa tragédia não é uma exclusividade nossa. Se aprendemos que a fé em Deus serve para nos livrar dos perigos e dos sofrimentos do mundo, sinto informar que nos ensinaram errado. A jornada do povo de Deus e dos cristãos ao longo da história sempre foi de um povo que mantinha sua fidelidade a Deus apesar de toda dificuldade. A fé não é sobre levar uma boa vida, mas, sobre reconhecer a Deus nos maus e nos bons momentos e saber que apesar dos pesares, é Ele quem tem a palavra final. 

A fé não é sobre templos lotados ou sobre forças espirituais à serviço da prosperidade humana. É mais sobre confiança, mesmo quando atravessamos o vale da sombra da morte. A fé que se baseia numa relação de confiança com Deus nos permite conhecer um Deus que é capaz de suportar a nossa dúvida, nossos questionamentos, nossa indignação, nosso grito de desespero. Mais uma vez encontraremos na Bíblia diversos personagens que direcionaram a Deus a sua dor, a sua pergunta, a sua indignação e até mesmo a sua incredulidade: “Será que quem fez o ouvido não ouve? Será que quem formou o olho não vê?” (Salmo 94.9). 

Em vista disso, não se intimide. Expresse tudo diante de Deus, acredite você nele ou não, seja ele quem você acha que é. Derrame tudo o que se passa em seu coração. Deixe extravasar tudo. Pois se Deus realmente existe, ele é capaz de suportar qualquer coisa vinda de alguém que sofre. O amor e a compaixão são da natureza de Deus. Ele acolhe, inclusive, o nosso silêncio. 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Voltando Para Casa

UM CONVITE À ORAÇÃO

por: Richard Foster*

A verdadeira e completa oração não é outra coisa 

senão o amor

 Agostinho 


Deus, por sua graça, tem-me permitido vislumbrar parte de seu coração, e eu gostaria de compartilhar com você o que tenho visto. Hoje o coração de Deus é como uma ferida aberta de amor. Ele sofre com nosso distanciamento e nossa preocupação. Ele lamenta o fato de não nos aproximarmos dele. Ele se angustia por havermos nos esquecido dele. Ele chora por causa de nossa obsessão de querer mais e mais. Ele anseia por nossa presença. 

Ele está nos convidando — a você e a mim — a voltar para casa, a casa a que pertencemos, a casa em que fomos criados. Ele nos espera de braços abertos. Seu coração é grande o suficiente para nos acolher. 

Vivemos ansiosos num país distante: um país em alvoroço, de multidões apressadas; um país de escaladas, empurrões e atropelos; um país de frustração, medo e intimidação. E ele nos convida a voltar para casa: para o lar de serenidade, paz e alegria; para o lar de amizade, companheirismo e sinceridade; para o lar de intimidade, aceitação e afirmação. 

Não precisamos ficar apreensivos. Ele nos convida à sala de estar de seu coração, onde podemos calçar os velhos chinelos e desfrutar o momento. Ele nos convida à cozinha de sua amizade, onde conversas e massas de bolo se misturam num ambiente alegre. Ele nos convida à sala de jantar de seu poder, onde podemos nos banquetear e alegrar nosso coração. Ele nos convida à sala de estudos de sua sabedoria, onde podemos aprender e nos desenvolver... e fazer todas as perguntas que desejarmos. Ele nos convida à oficina de sua criatividade, onde podemos ser seus auxiliares, trabalhando juntos para forjar nosso futuro. Ele nos convida ao quarto do descanso, onde nova paz é encontrada e onde podemos ficar à vontade, nus e vulneráveis. O quarto é também o lugar da mais profunda intimidade onde conhecemos e somos conhecidos plenamente.

* Richard Foster é autor renomado de vários best-sellers, teólogo, professor na Friends University e pastor da Evangelical Friends Churches. Fundador da RENOVARÉ, uma organização cristã voltada para a renovação da igreja. Mora em Denver, Colorado, EUA. Um de seus livros mais conhecidos é Celebração da Disciplina onde o autor apresenta com originalidade uma combinação entre espiritualidade e integridade intelectual. O texto acima consta em outra obra: Oração: o refúgio da alma, pela editora Vida. 

quarta-feira, 20 de março de 2024

O que deixa sua igreja mais animada?

Através do poder das perguntas, podemos desvendar o que realmente move uma comunidade de fé. Algumas perguntas geram silêncio, outras reflexão, mas há uma que se destaca por gerar um diálogo vibrante: 

"O que mais te anima em relação à nossa igreja?"


Se existe um segredo dos grandes líderes, então, certamente deve ser a arte de fazer perguntas que inspiram. E entre todas elas, uma se destaca por abrir as portas para um diálogo rico e revelador: "O que mais te anima em relação à nossa igreja?"

O poder dessa pergunta reside em sua simplicidade e positividade. Ela convida as pessoas a compartilharem o que as entusiasma, sem qualquer tipo de julgamento. Ao mesmo tempo, direciona o foco para o que realmente importa: a paixão que move a igreja. A resposta se torna um resumo vívido do que nutre a fé de cada membro.

A resposta à pergunta é uma janela para a alma da igreja. A palavra "animação" traduz o entusiasmo que pulsa no coração dos membros. Através de suas respostas, descobrimos o que os motiva e inspira. As respostas variam amplamente, abrangendo desde a teologia e os programas até a missão, a pregação e a estrutura física da igreja. Raramente encontramos negatividade, pois as pessoas se concentram no que as motiva e as conecta à comunidade.

O que nos anima geralmente se torna uma prioridade em nossas vidas. Aquilo que desperta paixão na igreja também é elevado a um lugar de destaque.

A resposta à pergunta também revela a perspectiva da pessoa em relação à igreja. O entusiasmo está enraizado no passado, vibrante no presente ou direcionado para o futuro? A animação em relação ao passado pode indicar uma nostalgia pela tradição, enquanto a empolgação com o futuro sugere esperança em um caminho positivo ou a expectativa de mudanças positivas.

A resposta à pergunta nos permite desvendar a alma da igreja, revelando sua personalidade única. Cada comunidade de fé possui características distintas, expressas em seus membros. Algumas igrejas exalam extroversão, acolhendo com entusiasmo novos rostos. Outras se inclinam para a reflexão, nutrindo um ambiente propício ao cuidado mútuo. Já outras transbordam generosidade, inspirando seus membros a contribuir com alegria para o reino de Deus. A animação da igreja, portanto, é um reflexo de sua própria essência. 

É importante lembrar que uma única pergunta não revela todos os segredos de uma igreja. No entanto, questionar sobre o que anima as pessoas abre um diálogo rico e revelador, sem qualquer tipo de constrangimento. Essa é uma das perguntas que pastores e líderes podem incorporar em suas conversas e reuniões de equipe, pois permite ouvir diferentes perspectivas e participar de conversas positivas e inspiradoras.


Convido você a fazer o mesmo: pergunte a algumas pessoas da sua igreja "O que mais te anima em relação à nossa igreja?". Tenho certeza de que se surpreenderá com a riqueza de respostas e insights que receberá. Essa é uma oportunidade para se conectar com sua comunidade, fortalecer laços e construir um futuro ainda mais vibrante para a fé.

quarta-feira, 13 de março de 2024

Páscoa: a afirmação do Absoluto sobre os poderes do mundo

É do conhecimento de todos que a Páscoa envolve a história de Jesus, que foi condenado à morte numa cruz e, depois, ressuscitou dos mortos. A Páscoa cristã celebra essa ressurreição, um evento central na fé cristã. Mas, se a ressurreição é o foco da Páscoa cristã, o que o povo judeu celebrava antes disso? Afinal, eles já tinham uma Páscoa, com uma história e significado próprios. 

A cruz não conseguiu vencê-lo!
A cruz não conseguiu vencê-lo!

Sim, o povo judeu celebrava a Páscoa como a libertação do povo de Israel da escravidão no Egito, na história de Moisés. Jesus, de certa forma, representa a continuidade dessa história. Tudo se inicia com o relato da criação do mundo e de todas as coisas, incluindo as plantas, os animais, os seres humanos e, claro, a origem do mal. 

O último verso do primeiro capítulo da Bíblia afirma que, ao criar as coisas, "Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom" (Gênesis 1:31). No entanto, se Deus criou um verdadeiro paraíso e tudo era perfeito, de onde surge o mal? Por que existem a dor, o sofrimento, a injustiça, a poluição, a corrupção? De onde vem a violência que leva pessoas a se unirem para pregar outras numa cruz?

A Bíblia é mais realista do que muitos imaginam. Logo no início, encontramos a observação de que “a perversidade humana tinha aumentado na terra” (Gênesis 6:5) e que toda “terra se corrompera” (Gênesis 6:12). A Bíblia e a tradição cristã explicam isso como o resultado do ser humano negar sua origem e buscar se afirmar autonomamente sobre a terra.

Quando nos afastamos de nossa herança cristã, datas como a Páscoa e o Natal se reduzem a celebrações comerciais. Restam apenas tradições vazias, destituídas de significado. Deus é visto como inexistente ou como um poder impessoal, uma força ou energia imprecisa e distante. O absoluto se perde. 

Somente quando reconhecemos um poder superior e absoluto seremos capazes de aceitar nossa condição relativa. Essa aceitação nos leva à humildade necessária para ver o outro como o próximo e também sermos o próximo do outro. Estaremos livres para uma condição de humildade que nos permite ceder, perdoar, dialogar, cooperar e servir.

Sempre que atacamos, negamos ou ignoramos a figura central maior do Universo, a tendência é acharmos que nós mesmos ou algum outro elemento do Cosmo é capaz de assumir esse papel de absoluto. Esse caminho leva, inevitavelmente, ao totalitarismo, à tirania, à violência e a todo tipo de consequências que o ego e a vaidade exacerbada são capazes de produzir.

E, assim, está aberto o caminho para que inúmeros candidatos a assumir o lugar de Deus saiam por aí para impor sobre os outros a sua vontade. Para isso, instrumentalizam tudo aquilo que têm como recurso disponível: a ciência, a educação, as instituições, o dinheiro, a política, a comunicação e, claro, a religião. Nada mais é instrumento a serviço do mundo e das pessoas, mas, tão somente um meio para tentar se impor, se projetar, conquistar e controlar. Este é um cenário visto em toda a história mundial. Por isso, Jesus é fundamental. Nele, Deus vem ao mundo numa demonstração de entrega, de serviço e de amor.

Os poderosos do mundo não podem aceitar o verdadeiro absoluto, que demonstra o quanto são relativos, contingentes e limitados. O Estado e a Religião se unem para pregar na cruz a mais poderosa demonstração de humildade e serviço que o mundo já viu. Desde então, a cruz, um instrumento de tortura e de condenação à morte, foi assumida como símbolo de esperança: a esperança que transcende a cruz e deixa para trás um túmulo vazio. Os poderes da morte e da maldade não têm a última palavra na história!

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

DIETRICH BONHOEFFER E O CASAMENTO: um 'sim' para o mundo de Deus

Embora ainda não fosse algo público, quando Dietrich Bonhoeffer foi preso ele estava noivo de uma garota de dezoito anos chamada Maria von Wedemeyer. Apesar dos sonhos de casamento entre os dois, a união nunca chegou a se concretizar. O namoro se resumiu a cartas trocadas entre eles e a dezessete visitas que Maria pode fazer à prisão. Numa dessas cartas Bonhoeffer expressou sua ideia a respeito do casamento como um 'sim' para o mundo de Deus. 
Essa ideia sobre o matrimônio não se resumia ao seu futuro casamento em particular, mas, para o casamento como ato de fé e esperança. Bonhoeffer expressou algo nesse sentido para dois amigos quando estes compartilharam seus próprios planos de casamento. Numa carta à Maria, Bonhoeffer diz:

"Nosso casamento deve ser um ‘sim’ ao mundo de Deus. Tem de fortalecer nossa resolução de realizar e concluir algo na terra. Temo que aquele que se aventura a manter-se no mundo sob uma única perna permanecerá numa única perna também no paraíso". 

Na mesma época em que estava preso, uma sobrinha de Bonhoeffer estava de casamento marcado com Eberhard Bethge, seu melhor amigo e biógrafo. Bonhoeffer chegou a trabalhar num sermão que pretendia usar nesse casamento:

"Ao acrescentar o 'sim' dele ao 'sim' de vocês, ao confirmar a vontade dele com a sua vontade, e ao permitir e aprovar o seu triunfo e regozijo e orgulho, Deus os transforma ao mesmo tempo em instrumentos da vontade e do propósito dele tanto para vocês mesmos quanto para os outros. Em sua condescendência insondável, Deus acrescenta o 'sim' dele; mas, ao fazê-lo, ele cria, do amor de vocês, algo novo — o bem sagrado do matrimônio". 

Dietrich Bonhoeffer revelou que mantinha uma ideia bastante elevada a respeito do casamento. Para ele o matrimônio era “mais do que o amor mútuo”, trata-se de algo que “possui força e dignidades superiores, pois é ordenança sagrada de Deus, por meio da qual ele quer perpetuar a raça humana até o fim dos tempos”. 

Uma frase memorável resultou dessa reflexão tão profunda de Bonhoeffer a respeito do casamento:

"Não é o amor de vocês que sustenta o casamento, mas de agora em diante é o casamento que sustenta o amor de vocês”. 

O amor de Bonhoeffer por Maria e sua fé em Deus o sustentaram naqueles meses que antecederam sua fatídica condenação. As cartas entre Dietrich e Maria revelam uma faceta pouco conhecida da história do mártir alemão.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Por Que Agora Sou Cristã

O ateísmo não pode nos preparar para a guerra civilizacional

Ayaan Hirsi Ali
Ayaan Hirsi Ali

Em 2002, descobri uma palestra de Bertrand Russell no ano de 1927 intitulada 'Por Que Não Sou Cristão'. Não passou pela minha cabeça, enquanto lia o texto, que um dia, quase um século depois de ele tê-lo apresentado à filial sul da National Secular Society, eu seria compelida a escrever um ensaio com um título precisamente oposto.

No ano anterior, eu havia condenado publicamente os ataques terroristas dos 19 homens que haviam sequestrado aviões de passageiros e os colidiram contra as torres gêmeas em Nova York. Eles haviam feito isso em nome da minha religião, o Islã. Eu era muçulmana na época, embora não praticante. Se eu realmente condenava as ações deles, onde isso me deixava? O princípio subjacente que justificava os ataques era religioso, afinal: a ideia de Jihad ou Guerra Santa contra os infiéis. Era possível para mim, como para muitos membros da comunidade muçulmana, simplesmente me distanciar da ação e de seus resultados horríveis?

Na época, havia muitos líderes proeminentes no Ocidente — políticos, acadêmicos, jornalistas e outros especialistas — que insistiam que os terroristas eram motivados por razões diferentes das que eles e seu líder Osama Bin Laden haviam articulado tão claramente. Assim, o Islã tinha um álibi.

Essa desculpa não era apenas condescendente para com os muçulmanos. Também deu a muitos ocidentais a oportunidade de se refugiar na negação. Culpar os erros da política externa dos EUA era mais fácil do que contemplar a possibilidade de estarmos enfrentando uma guerra religiosa. Vimos uma tendência semelhante nas últimas cinco semanas, à medida que milhões de pessoas simpáticas à situação dos palestinos da Faixa de Gaza buscam racionalizar os ataques terroristas de 7 de outubro como uma resposta justificada às políticas do governo israelense.

Quando li a palestra de Russell em 2022, encontrei meu desconforto cognitivo diminuindo. Foi um alívio adotar uma atitude cética em relação à doutrina religiosa, descartar minha fé em Deus e declarar que tal entidade não existia. Melhor ainda, eu poderia rejeitar a existência do inferno e o perigo do castigo eterno.

A afirmação de Russell de que a religião se baseia principalmente no medo ecoou em mim. Eu havia vivido por muito tempo com o terror de todas as punições horrendas que me aguardavam. Embora eu tivesse abandonado todas os motivos racionais para acreditar em Deus, aquele medo irracional do fogo do inferno ainda persistia. A conclusão de Russell, portanto, veio como um alívio: 'Quando morrer, vou apodrecer'.

Para entender por que me tornei ateia há 20 anos, você primeiro precisa entender o tipo de muçulmana que eu era. Eu era um adolescente quando a Irmandade Muçulmana penetrou na minha comunidade em Nairóbi, Quênia, em 1985. Acredito que eu nem havia entendido a prática religiosa antes da chegada da Irmandade. Eu suportava os rituais de abluções, orações e jejuns como tediosos e sem sentido.

Os pregadores da Irmandade Muçulmana mudaram isso. Eles articularam uma direção: o caminho reto. Um propósito: trabalhar para ser admitida no paraíso de Alá após a morte. Um método: o manual de instruções do Profeta do que fazer e do que não fazer — o halal e o haram. Como um suplemento detalhado do Alcorão, os hadiths explicavam como colocar em prática a diferença entre certo e errado, bem e mal, Deus e o diabo.

Os pregadores da Irmandade Muçulmana não deixaram nada para a imaginação. Eles nos deram uma escolha. Esforce-se para viver de acordo com o manual do Profeta e colha as gloriosas recompensas no além. Nesta terra, enquanto isso, a maior conquista possível era morrer como mártir pela causa de Alá.

A alternativa, de se entregar aos prazeres do mundo, significava atrair a ira de Alá e ser condenada a uma vida eterna no fogo do inferno. Alguns dos "prazeres mundanos" que eles condenavam incluíam ler romances, ouvir música, dançar e ir ao cinema - coisas as quais eu tinha vergonha de admitir que adorava.

A qualidade mais marcante da Irmandade Muçulmana foi a capacidade de transformar a mim e aos meus colegas adolescentes de crentes passivos em ativistas, quase da noite para o dia. Não apenas falávamos ou rezávamos por coisas: fazíamos coisas. Como meninas, vestíamos a burca e renunciávamos à moda e maquiagem ocidental. Os meninos cultivavam a barba o mais comprida possível. Usavam a tawb branca, semelhante a um vestido, usada em países árabes, ou tinham as calças encurtadas acima dos ossos do tornozelo. Atuávamos em grupos e voluntariávamos nossos serviços para a caridade aos pobres, aos idosos, aos deficientes e aos fracos. Instigávamos os muçulmanos a rezar e exigíamos que os não muçulmanos se convertessem ao Islã.

Durante as sessões de estudo islâmico, compartilhávamos com o pregador responsável pelas sessões as nossas preocupações. Por exemplo, o que deveríamos fazer em relação aos amigos que amávamos e éramos leais, mas que se recusavam a aceitar nossa dawa (convite à fé)? Em resposta, éramos lembrados repetidamente sobre a clareza das instruções do Profeta. Foi-nos dito de forma inequívoca que não poderíamos ser leais a Alá e Maomé e, ao mesmo tempo, manter amizades e lealdade para com os incrédulos. Se eles rejeitassem explicitamente nosso convite para o Islã, deveríamos odiá-los e amaldiçoá-los.

Aqui, um ódio especial era reservado para um subconjunto de incrédulos: o judeu. Amaldiçoávamos os judeus várias vezes ao dia e expressávamos horror, repugnância e raiva pela lista de supostas ofensas que eles haviam cometido. O judeu havia traído nosso Profeta. Eles ocuparam a Mesquita Sagrada em Jerusalém. Continuavam a espalhar a corrupção do coração, da mente e da alma.

Você pode ver por que, para alguém que passou por uma educação religiosa tão intensa, o ateísmo parecia tão atraente. Bertrand Russell oferecia uma fuga simples e sem custos de uma vida insuportável de autonegação e assédio aos outros. Para ele, não havia um motivo crível para a existência de Deus. A religião, argumentava Russell, estava enraizada no medo: "O medo é a base de tudo — medo do misterioso, medo da derrota, medo da morte."

Como ateia, pensei que perderia esse medo. Também encontrei um círculo totalmente novo de amigos, tão diferentes dos pregadores da Irmandade Muçulmana quanto se pode imaginar. Quanto mais tempo eu passava com eles — pessoas como Christopher Hitchens e Richard Dawkins —, mais confiança eu sentia de que havia feito a escolha certa. Os ateus eram inteligentes. Eles também eram muito divertidos.

Então, o que mudou? Por que agora me chamo de cristã?

Parte da resposta é global. A civilização ocidental está sob ameaça de três forças diferentes, mas relacionadas: a ressurgência do autoritarismo e expansão de grandes potências nas formas do Partido Comunista Chinês e da Rússia de Vladimir Putin; a ascenção do islamismo global, que ameaça mobilizar uma vasta população contra o Ocidente; e a disseminação viral da ideologia "woke", que está corroendo a fibra moral da próxima geração.

Procuramos repelir essas ameaças com ferramentas modernas e seculares: esforços militares, econômicos, diplomáticos e tecnológicos para derrotar, subornar, persuadir, apaziguar ou vigiar. No entanto, a cada rodada de conflito, nos vemos perdendo terreno. Estamos ou ficando sem dinheiro, com nossa dívida nacional na casa dos trilhões de dólares, ou perdendo nossa liderança na corrida tecnológica com a China.

Mas não podemos enfrentar essas forças formidáveis a menos que possamos responder à pergunta: o que é que nos une? A resposta de que "Deus está morto!" parece insuficiente. Da mesma forma, a tentativa de encontrar consolo na "ordem internacional liberal baseada na lei" também parece inadequada. A única resposta possível, acredito, reside em nosso desejo de manter o legado da tradição judaico-cristã.

Esse legado consiste em um conjunto elaborado de ideias e instituições projetadas para proteger a vida humana, a liberdade e a dignidade, desde o estado-nação e o estado de direito até as instituições da ciência, saúde e aprendizado. Como Tom Holland mostrou em seu maravilhoso livro Dominion, todas as liberdades aparentemente seculares — do mercado, da consciência e da imprensa — encontram suas raízes no cristianismo.

E assim, percebo que Russell e meus amigos ateus falharam em enxergar as árvores em vez da floresta. A floresta é a civilização construída sobre a tradição judaico-cristã; é a história do Ocidente, com suas imperfeições. A crítica de Russell às contradições na doutrina cristã é séria, mas também é muito estreita em escopo.

Por exemplo, ele proferiu sua palestra em uma sala cheia de cristãos (ex-cristãos ou pelo menos em dúvida) em um país cristão. Pense em como isso era único há quase um século e ainda é raro em civilizações não ocidentais. Poderia um filósofo muçulmano ficar diante de qualquer plateia em um país muçulmano — naquela época ou agora — e proferir uma palestra com o título "Por que não sou muçulmano"? Na verdade, um livro com esse título existe, escrito por um ex-muçulmano. Mas o autor o publicou nos Estados Unidos sob o pseudônimo Ibn Warraq. Seria perigoso fazer de outra forma.

Para mim, essa liberdade de consciência e expressão é talvez o maior benefício da civilização ocidental. Não é algo natural para o ser humano. É o produto de séculos de debate dentro das comunidades judaicas e cristãs. Foram esses debates que impulsionaram a ciência e a razão, diminuíram a crueldade, suprimiram superstições e construíram instituições para ordenar e proteger a vida, garantindo liberdade para o maior número possível de pessoas. Ao contrário do Islã, o cristianismo superou sua fase dogmática. Tornou-se cada vez mais claro que o ensinamento de Cristo implicava não apenas um papel circunscrito para a religião como algo separado da política, mas também implicava compaixão pelo pecador e humildade para o crente.

No entanto, eu não seria sincera se atribuísse minha adesão ao cristianismo apenas à percepção de que o ateísmo é uma doutrina muito fraca e desunida para nos fortalecer contra nossos inimigos ameaçadores. Também me voltei para o cristianismo porque, em última análise, descobri que a vida sem qualquer consolo espiritual é insuportável — quase autodestrutiva. O ateísmo falhou em responder a uma pergunta simples: qual é o significado e propósito da vida?

Russell e outros ateus ativistas acreditavam que, com a rejeição a Deus, entraríamos em uma era de razão e humanismo inteligente. Mas o ‘buraco de Deus’ – o vazio deixado pelo recuo da Igreja – foi preenchido por uma confusão de dogmas irracionais e quase religiosos. O resultado é um mundo onde os cultos modernos atacam as massas deslocadas, oferecendo-lhes razões espúrias para ser e agir, principalmente através do envolvimento em teatro de sinalização de virtude, em nome de uma minoria vitimizada ou do nosso planeta supostamente condenado. A frase frequentemente atribuída a G.K. Chesterton se transformou em uma profecia: "Quando os homens escolhem não acreditar em Deus, eles não acreditam em nada, tornam-se então capazes de acreditar em qualquer coisa."

Nesse vácuo niilista, o desafio que temos pela frente é civilizacional. Não poderemos resistir à China, à Rússia e ao Irã se não conseguirmos explicar às nossas populações por que é importante que o façamos. Não podemos lutar contra a ideologia woke se não pudermos defender a civilização que ela está determinada a destruir. E não podemos combater o Islamismo com ferramentas puramente seculares. Para conquistar os corações e mentes dos muçulmanos aqui no Ocidente, temos de lhes oferecer algo mais do que vídeos no TikTok.

A lição que aprendi nos anos com a Irmandade Muçulmana foi o poder de uma narrativa unificadora, incorporada nos textos fundamentais do Islã, para atrair, envolver e mobilizar as massas muçulmanas. A menos que ofereçamos algo tão significativo, receio que a erosão de nossa civilização continue. E, felizmente, não há necessidade de procurar alguma mistura de medicação e atenção plena da nova era. O Cristianismo tem tudo.

É por isso que já não me considero uma apóstata muçulmana, mas uma ateia decaída. Claro, ainda tenho muito a aprender sobre o cristianismo. Descubro um pouco mais na igreja a cada domingo. Descubro um pouco mais na igreja todos os domingos. Mas reconheci, na minha longa jornada através de um deserto de medo e de dúvidas, que existe uma maneira melhor de gerir os desafios da existência do que o Islã ou a descrença tinham para oferecer.


* Texto traduzido da publicação "Why I am now a Christian" de Ayaan Hirsi Ali, publicado originalmente no dia 11 de novembro de 2023. A autora é colunista da UnHerd. Acesse o texto original em inglês AQUI

Ayaan Hirsi Ali é pesquisadora no Hoover Institution da Universidade Stanford, fundadora da AHA Foundation e apresentadora do The Ayaan Hirsi Ali Podcast. Seu novo livro é "Prey: Immigration, Islam, and the Erosion of Women’s Rights" (Presa: Imigração, Islã e Erosão dos Direitos das Mulheres).

Ayaan Hirsi Ali é autora de livros com críticas contundentes ao Islamismo – como “A virgem na jaula: uma apelo à razão”, “Infiel: a história da mulher que desafiou o Islã” e “Herege: por que o Islã precisa de uma reforma imediata”.

Nascida e criada nos costumes tribais da Somália, ela sofreu mutilação sexual e espancamentos brutais na infância, foi muçulmana devota doutrinada pela Irmandade Muçulmana, até que, fugindo de um casamento forçado, deparou-se com a liberdade no Ocidente.

Dali em diante, renegou sua religião, virou ateia, lutou pelos direitos das mulheres muçulmanas, tornou-se deputada na Holanda, passou a morar nos Estados Unidos e a lecionar em Harvard, foi indicada pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo e está jurada de morte pelo fundamentalismo islâmico.