terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Como Avaliar a Saúde da Sua Igreja: Cinco Métricas Essenciais

A saúde de uma igreja não é definida apenas por números, mas por um conjunto de fatores que refletem a fidelidade à missão de Cristo. No contexto brasileiro, onde a diversidade cultural e religiosa é ampla, pastores e líderes enfrentam desafios próprios para medir e monitorar o crescimento e a vitalidade de suas comunidades. Este artigo apresenta cinco métricas práticas e fundamentais para ajudar igrejas a avaliarem sua saúde espiritual e institucional.









1. Participação nos Cultos Presenciais

Os cultos presenciais são o coração da vida comunitária cristã. Eles oferecem uma experiência única de comunhão, adoração coletiva e ensino da Palavra em um ambiente dedicado à edificação mútua. No contexto brasileiro, onde o contato humano e a interação social são profundamente valorizados, o culto presencial se destaca como um momento indispensável para fortalecer os laços entre os membros e viver a fé de maneira corporativa.

Embora os cultos online tenham seu espaço e sejam uma ferramenta útil para alcançar pessoas em situações excepcionais, como enfermos ou aqueles que vivem em locais distantes, nada substitui o poder transformador de estar fisicamente presente na igreja. A interação pessoal, a possibilidade de servir e ser servido, e o envolvimento ativo na adoração são aspectos que enriquecem a experiência do culto presencial e fortalecem a unidade do corpo de Cristo.

Dica Prática: Monitore a frequência nos cultos presenciais regularmente, observe tendências e promova ações que incentivem os membros a participarem ativamente. Estratégias como reforçar o discipulado, criar ambientes acolhedores e organizar encontros especiais podem revitalizar a importância do culto presencial na vida da igreja.


2. Engajamento em Pequenos Grupos ou Ministérios

Os pequenos grupos são fundamentais no discipulado, cuidado pastoral e construção de relacionamentos. No Brasil, movimentos de células ou grupos caseiros têm sido um pilar para muitas denominações. Muitas igrejas investem também no ministério de casais, motivando a criação de grupos com foco nesse público. Avaliar quantas pessoas estão ativamente participando desses grupos pode indicar o nível de envolvimento e comprometimento com a vida comunitária.

Dica Prática: Registre a frequência e atividades dos grupos. Uma métrica útil pode ser o número de participantes ativos dividido pelo total de membros da igreja. Quantos membros da igreja estão efetivamente envolvidos em algum grupo menor?


3. Conversões e Batismos

Cumprir a Grande Comissão é central para qualquer igreja. As conversões e batismos são indicadores claros da eficácia evangelística e do discipular. No contexto brasileiro, onde há uma rica interação entre culturas cristãs e não cristãs, essa métrica também reflete a habilidade da igreja em se conectar com sua comunidade. A adesão à igreja por meio da conversão e do batismo é um primeiro passo na vida de quem se torna cristã. lembre-se, no entanto, de que é preciso permanecer.

Dica Prática: Registre não apenas o número de conversões e batismos, mas acompanhe os novos convertidos no discipulado pós-batismo.


4. Contribuições Financeiras

As finanças são uma ferramenta para a missão. Avaliar os dízimos e ofertas ajuda a entender o comprometimento dos membros com a visão da igreja. No Brasil, onde questões financeiras podem ser delicadas, é importante promover uma cultura de transparência e ensino bíblico sobre mordomia cristã.

Dica Prática: Relatórios financeiros claros e periódicos aumentam a confiança dos membros e permitem uma gestão mais eficiente.


5. Impacto na Vizinhança

Uma igreja saudável transforma a sociedade ao seu redor. Projetos sociais, evangelismo comunitário e parcerias com outras organizações podem ser medidos pela quantidade de pessoas alcançadas e pelos frutos gerados. No Brasil, o envolvimento em causas sociais é uma forma poderosa de testemunho cristão.

Dica Prática: Crie metas anuais e avalie o número de pessoas impactadas, testemunhos gerados e continuidade das iniciativas.


Conclusão: Avaliar e Ação

Monitorar essas métricas não é um fim em si mesmo, mas um meio de discernir como a igreja está cumprindo sua missão. O objetivo é identificar pontos fortes e áreas que precisam de atenção, sempre com oração e dependência de Deus. Uma igreja saudável é uma igreja que cresce espiritualmente, discipula eficazmente e alcança sua comunidade com o amor de Cristo.

Seja através de ferramentas digitais, relatórios simples ou reuniões periódicas com a liderança, o importante é começar a mensurar. Afinal, como diz o ditado: "O que não é medido, não pode ser melhorado."

Perguntas para Reflexão:

  • Quais dessas métricas já estão sendo aplicadas na sua igreja?
  • Como sua comunidade pode melhorar na medição e no uso dessas informações?

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Anatomia da Demissão de um Pastor

Este artigo é uma tradução do original "Anatomy of the Firing of a Pastor" publicado no Church Answers, por Thom S. Rainer. Tradução e publicação autorizada.

Anatomia da Demissão de um Pastor

Por favor, leia estas primeiras frases antes de olhar os subtítulos. Quero deixar alguns pontos claros.

Primeiro, alguns pastores são demitidos por falha moral. Este artigo não aborda essa categoria de demissão. Segundo, meu artigo coloca alguns membros da igreja como os "vilões". Quero deixar claro que eles são a exceção, e não a regra. Terceiro, sei que cada demissão tem suas características únicas. O que você vai ler é um padrão típico, não uma sequência fixa de eventos para cada demissão de pastor.

Este artigo reflete sobre sete fases da demissão de um pastor. Trabalhei com inúmeros pastores que compartilharam suas histórias comigo. Essas fases são comuns em muitas delas. Além disso, usarei uma conversa recente para fornecer uma narrativa real de um pastor real em uma igreja real. Fiz alguns ajustes leves para proteger as identidades do pastor e da igreja.


Fase 1: O Pastor Tomou uma Decisão que um “Poderoso” da Igreja Não Gostou.

Essa fase pode começar com um indivíduo ou com um pequeno grupo de membros. Podem ser decisões acumulativas ou uma única decisão. A igreja que estou usando como estudo de caso começou com uma pessoa que tinha influência significativa na igreja. O pastor se recusou a recomendar o parente desse membro influente para a posição de ministro de louvor.

Fase 2: O Poderoso Forma uma Coalizão Negativa Contra o Pastor.

Neste ponto, o pastor não faz ideia de que aquele membro influente está trabalhando contra ele. O pastor ignora que existe alguma oposição. O membro influente nunca se encontra com o pastor. Em vez disso, ele vai diretamente ao conselho ou presbitério da igreja. É uma jogada estratégica. Ele tem considerável influência sobre cinco dos sete membros. Os outros dois são fracos e não questionarão aquele membro influente. Além disso, o presbitério atua como supervisor do pastor.

Fase 3: A Coalizão Negativa Reúne “Falsas Evidências” Contra o Pastor.

O influente nunca menciona o problema de seu parente não ter sido recomendado para a posição de ministro de louvor. Em vez disso, ele leva vários membros do conselho a criar uma narrativa falsa sobre o pastor. “Ele não visitou Jane no hospital quando ela fez cirurgia.” “Ele falou rudemente com Marion.” “Ele tomou algumas decisões sem ter autoridade.” “As pessoas estão dizendo que o pastor quase nunca trabalha.” “As pessoas estão dizendo que ele não é amigável com ninguém.” “As pessoas estão dizendo que todos os novos membros que se juntaram à igreja durante seu período estão causando problemas.”

Fase 4: A Coalizão Negativa Pede uma Reunião com o Pastor.

O pastor é pego de surpresa pela reunião solicitada e não agendada com a liderança da igreja. O pastor entrou em contato comigo (Thom) para perguntar se deveria se preocupar. Eu disse que estava preocupado e que ele deveria estar preparado, embora ele não conseguisse pensar em nenhum motivo para haver um problema. As expressões e a linguagem corporal dos líderes imediatamente comunicaram uma situação ruim ao pastor quando ele chegou à reunião, especialmente porque ele pensava que a maioria deles era sua amiga.

Fase 5: A Coalizão Negativa Apresenta as Preocupações ao Pastor e Pede sua Renúncia.

Todas as preocupações eram falsas e foram precedidas por essas três palavras covardes: “As pessoas estão dizendo.” O primeiro pensamento do pastor é lutar contra as acusações, pois sabe que são falsas, mas o membro influente faz um comentário sinistro sem explicação: “Se você não renunciar, sua família vai sofrer.” O pastor aceita os quatro meses de indenização oferecidos e assina um acordo de confidencialidade. O acordo estipula claramente que, se ele disser algo negativo sobre a igreja, perderá sua indenização.

Fase 6: O Pastor Anuncia sua Renúncia no Domingo Seguinte Durante o Culto.

O acordo assinado o impediu de dizer qualquer coisa além de que a demissão não foi devido a falha moral. A igreja fica chocada. A ausência de qualquer explicação faz com que a fábrica de boatos crie várias narrativas falsas.

Fase 7: Ninguém Defende o Pastor.

Essa igreja é congregacional em sua estrutura de governo. O comitê de pessoal não tem autoridade para demitir um pastor sem uma votação congregacional. Essa é a razão pela qual a liderança exigiu sua renúncia. Qualquer membro da igreja poderia ter se reunido com o conselho e exigido transparência. Mas ninguém estava disposto a “agitar o barco”. Os pastores geralmente me dizem que essa fase é a mais dolorosa. Um pastor a chamou de “o silêncio pecaminoso da maioria”.

Neste caso específico, o pastor conseguiu um convite para outra igreja assim que a indenização acabou. A maioria dos pastores não tem essa sorte. Muitos pastores nunca retornam ao ministério vocacional após um evento tão traumático. O pastor e sua família ficam traumatizados.

Na maioria dos casos, a igreja que demite o pastor também sofre, às vezes por anos. Um membro da igreja mencionada na minha história me disse: “Vou me arrepender para sempre de não ter me manifestado. Demorei um ano para pedir perdão ao meu ex-pastor. Desde que o evento maligno aconteceu, parece que uma nuvem de escuridão paira sobre nossa igreja. Me pergunto se isso algum dia vai desaparecer.”

É uma história triste. É uma história trágica.

Infelizmente, é uma história que é muito comum.

sábado, 16 de novembro de 2024

Fé Cristã e Ciência: um diálogo possível e necessário

 Você já se perguntou se é possível conciliar fé e ciência? Será que acreditar em Deus e explorar os mistérios do universo podem caminhar lado a lado? Muitas pessoas acham que esses dois mundos são opostos, mas a verdade é que eles podem se complementar de maneiras surpreendentes. No Brasil, existe uma organização dedicada justamente a esse diálogo tão importante e fascinante: a ABC² (Associação Brasileira de Cristãos na Ciência). Se você é curioso sobre como a fé cristã pode enriquecer o entendimento científico – e vice-versa – convidamos você para conhecer a ABC² e como esta iniciativa está unindo mentes e corações nesse debate transformador.





ABC²: Promovendo o Diálogo Entre Fé Cristã e Ciência no Brasil

A ABC² (Associação Brasileira de Cristãos na Ciência) é uma organização que busca mostrar que fé cristã e ciência não precisam ser vistas como opostas. Pelo contrário, elas podem coexistir de forma harmoniosa e contribuir mutuamente para uma compreensão mais rica da realidade.

Fundada com o propósito de integrar a fé cristã com o conhecimento científico, a ABC² oferece uma ampla gama de recursos para quem deseja explorar como esses dois campos podem caminhar juntos.


O Que a ABC² Oferece?

Se você visitar o site da ABC², encontrará um verdadeiro tesouro de conteúdos, incluindo:

  • Artigos e publicações sobre temas variados, como a relação entre ciência e teologia, ecoteologia e inteligência artificial.
  • Vídeos e podcasts, ideais para aprender de forma prática e dinâmica.
  • Cursos online, que mergulham profundamente em questões complexas envolvendo fé e ciência.

Além disso, a associação organiza eventos e grupos de estudo presenciais e online. Esses encontros criam um espaço ideal para debates significativos e troca de conhecimentos, conectando pessoas que compartilham do mesmo interesse.


Temas de Destaque

A ABC² aborda uma grande variedade de assuntos que despertam curiosidade e reflexões profundas.

Alguns exemplos incluem:

  • Ecoteologia: O que a Bíblia diz sobre o cuidado com o meio ambiente?
  • Tecnologia e Virtude: Como a fé cristã pode moldar nosso uso da tecnologia?
  • Origem do Universo e da Vida: Existe conflito entre ciência e o relato bíblico da criação?

Para quem está começando a explorar esses temas, a ABC² também oferece uma série de recomendações de leitura e vídeos básicos, tornando o aprendizado acessível e inclusivo.


Quem Está Por Trás da ABC²?

A ABC² é composta por um time de profissionais e acadêmicos altamente capacitados, apaixonados por criar um diálogo significativo entre a ciência e a fé cristã. Eles trabalham continuamente para produzir conteúdo de qualidade, fomentar um ambiente de aprendizado contínuo e mostrar que não é necessário escolher entre ser cristão e admirar o conhecimento científico.


Como Começar?

Se você tem interesse em entender melhor como a fé cristã pode dialogar com a ciência, a ABC² é um excelente ponto de partida. Acesse o site oficial para explorar todos os recursos disponíveis e não deixe de:

  • Assinar a newsletter: Receba conteúdos exclusivos diretamente no seu e-mail.
  • Participar de eventos ou grupos de estudo: Conecte-se com pessoas que compartilham do mesmo interesse.

Descubra como a fé e a ciência podem andar lado a lado e enriquecer sua compreensão do mundo!


A ABC² é uma comunidade que acredita que a fé cristã e a ciência podem dialogar e trazer respostas profundas para questões da vida. Explore os recursos, participe das discussões e aprofunde-se nesse universo de aprendizado!

Acesse o site oficial da ABC² e embarque nessa jornada de integração entre fé e ciência.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Frases de Martim Lutero [arte para redes sociais]

"Enquanto houver mundo, deve haver governos e autoridades. Mas, Deus não tolerará por muito tempo aqueles que, abusando de seu poder e autoridade, infligem injustiça e violência"



"O verdadeiro tesouro da igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus"



 "Somente Cristo é o meio, a vida e o espelho pelo qual vemos a Deus e conhecemos a sua vontade"



"...é certo que não podemos apropriar-nos da justiça de Cristo mediante nossas obras, porque isso está fora do nosso alcance e nos é estranho"



segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Um Estudo Sobre a Ressurreição

Por Rodomar Ricardo Ramlow

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Exploraremos um tema fundamental da fé cristã: a ressurreição. Entenderemos como ela forma nossa esperança para o futuro, o que ocorre entre a morte e a ressurreição, e a centralidade dessa crença em nossa fé. Permaneça até o final, pois o que compartilharemos pode transformar sua visão sobre a vida e a eternidade.


Não há cristianismo sem a esperança no futuro. De fato, a fé cristã é consensual em relação à expectativa de um futuro esperançoso.

Essa afirmação nos remete diretamente à realidade da ressurreição. A crença na ressurreição já fazia parte da fé judaica e se distinguia das concepções de vida após a morte presentes nas diversas formas de religiosidade pagã. O paganismo, de fato, rejeitava a ideia de ressurreição.

Para os primeiros cristãos, a "ressurreição" não implicava em um "status celeste e exaltado". No contexto da ressurreição de Jesus, o termo não se referia à "presença percebida" dele na vida diária da igreja. Não era uma questão de fé em um Jesus imaginado como vivo ou presente apenas na memória das pessoas. O que os primeiros cristãos compreendiam e proclamavam com a palavra "ressurreição" era a ressurreição física.

A crença na ressurreição do corpo tornou-se parte integrante do Credo Apostólico, uma das confissões de fé mais reconhecidas e significativas do cristianismo. Neste credo, professa-se que Jesus "foi crucificado, morto e sepultado, desceu à morada dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia" e conclui-se com "Creio [...] na ressurreição do corpo e na vida eterna". A esperança cristã futura repousa na convicção da salvação e ressurreição.

Isso se distingue significativamente de muitas outras crenças que pregam a reencarnação, que colocam sua fé em algum tipo de existência incorpórea e abençoada após a morte, ou que a morte é um portal para o descanso eterno no Sheol. Não está relacionado a nenhuma "ilha dos bem-aventurados" para onde os mortos são destinados, nem tem relação com se transformar em uma estrela a mais no céu ou em um anjo tocando harpa entre as nuvens.

Anteriormente, no judaísmo, a ressurreição era um conceito marginal, mas com o advento da fé cristã, ela se tornou central. Ao estudarmos a ressurreição e sua interpretação nas primeiras igrejas da era cristã, percebemos que o cristianismo nascente era essencialmente um movimento baseado na "ressurreição". A definição de "ressurreição" era clara para eles: significava transcender a morte e emergir para uma nova vida corpórea, um processo que ocorreria em duas fases, iniciando com Jesus e subsequente para todos os fiéis.

A crença na ressurreição é fundamental na tradição cristã, pois os primeiros seguidores de Cristo estavam plenamente convencidos de sua identidade. Assim, eles fundamentaram sua fé inabalável na ressurreição de Jesus de Nazaré dentre os mortos.

Isso se torna claro, por exemplo, nos escritos do apóstolo Paulo. Ele frequentemente discutia a esperança e, ao fazê-lo, referia-se à ressurreição. Ao contrário do que muitos acreditam, Paulo não sustentava a ideia de uma ressurreição puramente espiritual de Jesus.

Vamos considerar o que o apóstolo Paulo escreve em sua carta aos Tessalonicenses: "...e aguardar dos céus o seu Filho, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos: Jesus, que nos livra da ira vindoura" (1 Tessalonicenses 1.10). Também em 1 Tessalonicenses, especificamente nos capítulos 4 e 5, Paulo aborda de maneira notável uma questão comum entre as pessoas: o que ocorre com os que falecem antes da volta do Senhor?

Você já se perguntou sobre isso? Ao ler 1 Tessalonicenses 4 e 5, encontramos várias questões fundamentais sobre as crenças de Paulo acerca da ressurreição. É essencial reconhecer que, ao interpretar a Bíblia, não devemos nunca desconsiderar que seus autores estavam imersos em um contexto social, cultural e religioso repleto de narrativas variadas e uma ampla gama de crenças sobre os mais diferentes temas.

Esta é, evidentemente, a realidade do mundo no qual o Apóstolo Paulo estava inserido e onde ele foi chamado para cumprir sua vocação. Como ele lidava com as diversas ofertas religiosas ao seu redor enquanto afirmava a esperança cristã fundamentada na ressurreição?

Paulo refere-se à "ressurreição" como um evento futuro no qual os que morreram serão levantados da morte. Ele assegura que, assim como Jesus morreu e ressuscitou, Deus também trará, por meio de Jesus, aqueles que faleceram na fé. "Se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus trará com Jesus aqueles que nele adormeceram" (1 Tessalonicenses 4.14).

Não há dúvidas, portanto, de que Paulo crê na ressurreição corpórea e que essa ressurreição está reservada ao futuro, quando Jesus retornará.

Mas, e quanto ao estado intermediário? O que Paulo tem a dizer a respeito da realidade daqueles que estão mortos e aguardam o dia da ressurreição? Onde e como ficam aqueles que morrem e estão mortos, aguardando o grande dia da ressurreição? Onde e como estão os mortos, afinal?

Paulo emprega termos que merecem atenção. Se há um período entre a morte física e a ressurreição, é válido questionar a natureza desse intervalo. O apóstolo usa a metáfora do sono para descrever pessoas que "dormem" agora, mas que despertarão no futuro. Isso levanta a questão: estaria ele se referindo ao que alguns denominam 'sono da alma'? Paulo sugere que, após a morte, entramos em um estado de inconsciência, como se estivéssemos dormindo, até a ressurreição? Ou ele fala apenas do sono físico do corpo?

O especialista em Novo Testamento e teologia paulina, N. T. Wright, afirma: 

"Paulo emprega a linguagem de dormir e acordar para contrastar uma fase de inatividade temporária, que não implica necessariamente inconsciência, com uma fase subsequente de atividade revigorada".

Recordando a Jesus, Ele não ressuscitou imediatamente após sua morte. Nem Paulo nem o Credo dos Apóstolos mencionam que Jesus estivesse dormindo no período entre sua morte e ressurreição.

No judaísmo, há indícios de uma crença em vida após a morte, considerada um estado intermediário entre a morte e a ressurreição. No entanto, é difícil encontrar materiais que detalhem onde e como essa existência ocorreria. Há especulações de que os mortos possam viver como anjos ou espíritos aguardando a ressurreição, embora a Bíblia não forneça evidências que sustentem essa noção.

Muitos equívocos podem surgir devido à interpretação precipitada de uma passagem em que Jesus compara os mortos aos anjos. Refiro-me ao episódio em que saduceus, que não acreditavam na ressurreição, desafiaram Jesus com uma questão sobre uma mulher que havia se casado com sete irmãos. No texto de Mateus 22, eles estavam testando Jesus, curiosos sobre como ele responderia. Jesus disse: “Na ressurreição, as pessoas não se casam nem são dadas em casamento; são como os anjos no céu” [Mateus 22.30].

Esse entendimento é o que faz muitos acreditarem que as pessoas que falecem se transformam em anjos. Contudo, essa não é a mensagem de Jesus. Ele faz uma comparação diferente: da mesma forma que os anjos não se casam, os seres humanos também não se casarão após a ressurreição.

Jesus não apresenta os anjos como um exemplo completo do que as pessoas serão, mas destaca apenas um aspecto de sua existência, especificamente o fato de não se casarem, para responder à indagação feita pelos saduceus.

No caso do Apóstolo Paulo, suas palavras deixam claro que aqueles que morrem e esperam pelo dia da ressurreição estão com Deus. Sejam conscientes ou não, estão com Cristo, aguardando o dia glorioso em que os justos serão ressuscitados.

Paulo acredita que as pessoas em tal estado intermediário serão felizes e contentes. Afinal, estarão com o Messias. “Temos, pois, confiança e preferimos estar ausentes do corpo e habitar com o Senhor. Por isso, temos o propósito de lhe agradar, quer estejamos no corpo, quer o deixemos” [2 Coríntios 5.8-9]

Quando as Escrituras mencionam estar 'nos céus', isso é entendido como estar na presença de Deus. No entanto, isso não implica que alguém que faleceu e está no céu ficará lá eternamente. Deus criou a Terra para a humanidade, e é aqui que habitaremos após a ressurreição. Da mesma forma que seremos restaurados para viver em corpos novos e glorificados, toda a criação de Deus será renovada e liberta da escravidão do pecado.

O equívoco de que o céu é um lugar além da vida terrena é comum na imaginação popular. Contudo, tal lugar não existe como destino final dos fiéis ou dos redimidos. O céu é simplesmente onde se manifesta a presença de Deus. O local destinado à humanidade é a Criação divina, descrita nas Escrituras, e é nela que já habitamos atualmente.

Da mesma forma que o pecado corrompeu o ser humano, ele também desvirtuou o curso das coisas na perfeita criação de Deus. Portanto, assim como a ressurreição representa a completa restauração do ser humano, a Criação de Deus em sua totalidade será renovada para que possamos viver eternamente com Deus.

Não é a Igreja que sobe para algum tipo de céu como realidade espiritual superior. Mas, como lemos no livro de Apocalipse, é “a cidade santa, a nova Jerusalém, que desce do céu, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu marido” [Apocalipse 21.2].

Nesse mesmo livro de Apocalipse lemos que “Aquele que estava assentado no trono disse: ‘Estou fazendo novas todas as coisas!’” [Apocalipse 21.5]. Todas as coisas… isso mesmo, toda a criação. Não apenas nossos corpos serão renovados! A redenção restaura tudo.

João relata no capítulo 21 do Apocalipse que não testemunhou apenas um céu renovado, mas um novo céu e uma nova terra. Essa compreensão torna a ressurreição muito mais significativa. Assim, transcendemos a ideia de um 'estado intermediário' de repouso ou existência espiritual em um além, para nos concentrarmos em uma vida autêntica, com o ápice do que Deus reservou para sua criação e para a humanidade.

Além disso, podemos começar a desfrutar dessa realidade agora, pois já temos conhecimento dela. Jesus ressuscitou e nós, que cremos, também ressuscitaremos. É possível viver no presente com essa visão renovada e esperançosa. Nossa alegria e satisfação não são expectativas incertas adiadas para um futuro nebuloso, mas sim realidades concretas e tangíveis das quais podemos gozar desde já.

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Rodomar Ricardo Ramlow
Teólogo e professor de filosofia.
Autor do livro Vocação e do Canal Teologia Missional.
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Em seu livro "A Ressurreição do Filho de Deus", N. T. Wright vira a mesa da erudição bíblica contemporânea ao demonstrar que os autores do Novo Testamento acreditavam em uma ressurreição corporal literal de Jesus Cristo, e não numa ressureição meramente "espiritual" inventada posteriormente.
Se você é um estudioso das Escrituras e busca aprofundar o seu conhecimento no tema da ressurreição, então este é um livro indispensável.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Pare de Sentir Pena de Si Mesmo!

Veja se isto ressoa com você: sente-se desestimulado diante de novos desafios? Falta motivação? Receia enfrentar certas situações? Os problemas parecem sempre maiores do que você pode lidar? Frequentemente, fica imobilizado por circunstâncias que surgem, a ponto de querer desaparecer? Parece que tudo está contra você? Isso é bastante comum.

Mas, e se eu disser que não tem que ser assim? Neste artigo, vamos discutir como deixar de nutrir o sentimento de sermos vítimas do mundo e assumir, de uma vez por todas, a responsabilidade por quem somos!

Você pratica exercícios físicos? Se sim, provavelmente entende o motivo: manter um corpo saudável, forte e pronto para os desafios cotidianos. Mas e a sua mente? Você se dedica a exercitá-la e mantê-la saudável? Além disso, em relação às suas emoções, você sabe como gerenciá-las para melhor administrar o conhecimento e controlar seus sentimentos? Muitas pessoas não sabem que o autoconhecimento e a capacidade de gerenciar as emoções podem simplificar a vida, melhorar o enfrentamento dos problemas diários e até mesmo revitalizar nosso ânimo perante a vida.

Existem diversas técnicas, livros, cursos e dicas que podem ajudar você a lidar melhor com você mesmo e com as suas emoções. 
Não adianta ter um super cérebro, um QI altíssimo, um cérebro que já nem cabe no crânio quando o peito tá vazio, quando o coração não tem vez.
Existe uma palavra de Sabedoria muito antiga que diz o seguinte:

Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida” (Provérbios 4.23).

A Bíblia é um livro incrível que nos conta a mais importante de todas as histórias. Ela é um conjunto de diversas narrativas e personagens que fazem parte da Grande História.

Da mesma forma, somos seres únicos, experimentando momentos singulares e construindo relacionamentos exclusivos, enquanto vivemos entre muitas pessoas dentro de uma comunidade, formando o povo de Deus na Sua Grande História. E nesta caminhada, temos muito o que aprender com homens e mulheres cujas vidas foram transformadas e tocadas por Deus.

Frequentemente, somos induzidos a acreditar que ao nos tornarmos cristãos, tudo se transforma instantaneamente. De fato, muitas mudanças ocorrem, mas a conversão e o reconhecimento do amor de Jesus representam apenas o início.

Viver uma vida completa em Deus implica um processo conhecido como discipulado. O discipulado é, essencialmente, permitir que, na jornada com Jesus, sejamos transformados dia a dia, tanto em nosso caráter quanto em nossa maneira de agir, tendo Jesus como nosso exemplo.

Este processo de transformação implica em abandonar certas coisas. Coisas como vícios, hábitos, temperamentos, falhas morais e desvios de caráter. E uma das coisas que você deve deixar para trás é o sentimento de autopiedade. Você conhece alguém assim? Não é necessário responder; provavelmente já sei a resposta. No entanto, não quero que você seja um reflexo para o outro. Quero que você se concentre em si mesmo. 

Se você é uma pessoa que se faz de vítima, que sempre chora pelo leite derramado, que está sempre procurando alguém para culpar pelos seus fracassos, que fica remoendo o que os outros lhe fizeram: pare! Você precisa se libertar disso. Você precisa parar de sentir pena de si mesmo. Você não é uma vítima. Você não é a única pessoa injustiçada deste planeta, nem a mais injustiçada. Se o lamento, as desculpas, a pena que você sente por si mesmo estão te paralisando, então reaja. A situação extrapolou e você está deixando de viver todo o potencial que Deus tem para você.

Convido você a seguir a história de alguém que, apesar de ter todos os motivos para querer fugir e se esconder em seu quarto, permanecendo em posição fetal e lamentando sua má sorte, nunca o fez, mesmo diante de todas as adversidades e injustiças enfrentadas. Como ele conseguiu superar isso?

Acompanhe-me nesta narrativa que irá tocar seu coração e, mais do que isso, inspirá-lo a adotar uma nova postura frente aos desafios que a vida impõe.

A quem me refiro? Falo de José, da Bíblia. Não do homem que se uniu a Maria, mãe de Jesus, mas de um José que viveu muito antes. Sua saga está documentada no Antigo Testamento, no livro de Gênesis.

Há diversas formas de interpretar a trajetória de José e extrair ensinamentos significativos. Neste vídeo, pretendo explorar a vida de José através das dificuldades que enfrentou, mostrando como ele superou cada uma delas e se reinventou.

Para começar, José era simplesmente um dos filhos de um dos três grandes patriarcas do povo de Israel. Isso já era significativo. Frequentemente pensamos que apenas os pobres, os anônimos, os humildes e aqueles sem perspectiva de vida sentem pena de si mesmos, mas isso não é verdade. 

José era um dos mais novos em uma família de 12 irmãos. Inicialmente, ele não tinha muitos motivos para se sentir inferior; de fato, não havia razão para que tivesse pena de si mesmo. Seu pai, Jacó, tinha uma preferência por ele e também por Benjamin, o mais novo. Jacó tinha mais afeição por esses dois porque eram seus filhos com Raquel, a mulher que ele verdadeiramente amou e por quem sempre lutou. Contudo, essa é uma história à parte.

José tinha outras razões para se sentir superior. Ele começou a ter sonhos nos quais era visto como uma pessoa de grande importância. Nos sonhos, as pessoas se inclinavam perante ele. Sua própria família, incluindo irmãos e pais, surgia nos sonhos prestando-lhe homenagens e reverências.

E você acredita que os irmãos gostaram de ouvir tais palavras vindas de José?

Pois bem. José orgulhosamente foi compartilhar esses sonhos com sua família. Os irmãos, especialmente os mais velhos, não apreciaram nem um pouco o que ouviram.
"Como assim nós vamos prestar reverência a você, garoto!?"
"Olha aqui, que história é essa!?"
"Está dizendo que nós, até mesmo o nosso pai, Jacó, vamos nos curvar diante de um moleque como você!?"
Certamente não foi um diálogo amigável, principalmente em uma cultura patriarcal, onde a sucessão favorecia sempre o irmão mais velho.
O velho Jacó não levou muito a sério, provavelmente lembrando-se das confusões que aconteceram quando ele próprio conseguiu usurpar a bênção do primogênito que era de Esaú.
Você está familiarizado com a história.

Mas voltemos ao jovem sonhador José. Seus irmãos ficaram extremamente irritados com ele. Eles estavam furiosos. É difícil imaginar o quanto os irmãos de José estavam enfurecidos com suas falas sobre sonhos de grandeza, vindo de um rapazote que ainda não estava preparado para o trabalho árduo, para enfrentar as tarefas de um homem adulto. Eles ficaram tão irados e indignados que, acreditem, começaram a expressar entre si, enquanto trabalhavam no campo, pastoreando as ovelhas, a ideia de eliminar o próprio irmão. Isso mesmo, eles não apenas pensaram, mas falaram e articularam um plano para matar... isso mesmo, assassinar o próprio irmão. Você tem noção do que isso significa?


É necessário muito rancor, muito ódio e uma profunda ferida na alma para desejar a morte do próprio irmão. E por quê? Apenas porque ele compartilhou alguns sonhos excêntricos? Isso justifica tal desejo? Atualmente, as pessoas têm menos filhos, não é? Aparentemente, apenas os muçulmanos ainda creem que povoar a terra é um mandamento divino. A maioria dos cristãos não segue mais essa premissa. Quando decidem ter filhos, é um ou no máximo dois. Preferem ser pais de animais de estimação.


Mas para alguém como eu, que cresceu em uma família tradicional com quatro irmãos, é sabido que desafios são comuns. E a geração dos meus pais, que se assemelhava à família de Jacó com seus 12 filhos... nossa, quantas histórias para contar! Então, em um dia qualquer, os dez irmãos mais velhos de José estavam no campo, trabalhando, batendo papo, tramando, até que um deles teve a infeliz ideia: "E se a gente desse um fim nesse garoto?" Imagine o ambiente naquela família! Dez pessoas, dez irmãos conspirando para matar um dos mais novos. José tinha apenas 17 anos. Você levaria a sério o relato de um sonho de um adolescente de 17 anos? Chegaria ao ponto de matar seu próprio irmão por isso? "Olha lá. Ele está vindo, o sonhador! Vamos aproveitar que estamos longe de casa para resolver isso. Podemos sujar, rasgar suas roupas e manchá-las de sangue, depois levamos ao pai e dizemos que uma fera o atacou e nada restou dele". Que ideia genial. Então, um dos irmãos mais velhos, que tinha um pouco mais de sensatez, mas não muita, sugeriu outra coisa. ‘Será que precisamos matá-lo? Podemos vendê-lo como escravo. Em casa, diremos que uma fera selvagem o devorou e pronto. Não há necessidade de matar. É só pegar uma daquelas caravanas de estrangeiros que sempre passam por aqui. Eles levarão o menino e ninguém mais terá notícias dele... Olha, estão vindo uns ismaelitas. Se comprarem, vão levar José para tão longe que nunca mais ouviremos falar dele!’ E assim foi feito.


Você consegue se colocar no lugar de José?


A própria família! Os irmãos! É inacreditável! Sim, acontece em alguns casos. Quando as pessoas do ambiente onde você deveria se sentir mais seguro e protegido se voltam contra você... é muito difícil. E por quê? Só porque compartilhei alguns dos meus sonhos? Bem, provavelmente havia algo mais. Inveja, ciúmes, ser o queridinho do pai... Mas, sério, querer me matar, me vender como escravo? Me mandar para longe como se eu fosse uma mercadoria indesejável? Isso é demais. Meu mundo desabou. Todos estão contra mim. Ninguém me ama. Assim, fica difícil viver. Que sonhos posso ter agora?

A Bíblia não menciona que José se entregou à autopiedade. Pelo contrário, ele permanece silencioso. É levado como um cordeiro mudo e sem defesa. O texto não relata um murmúrio, um lamento sequer, nem uma única palavra amaldiçoando seu destino. Absolutamente nada que indique que José sentia pena de si mesmo. Quando a caravana chegou finalmente ao Egito, os ismaelitas que tinham comprado José o venderam a Potifar, "oficial do faraó e capitão da guarda" (Gênesis 37.36).


José poderia ter pensado: "Sabe de uma coisa? Vou ser o pior escravo que o Egito já viu. Farei apenas o essencial. Não escolhi estar aqui. Estou aqui à força, contra minha vontade. Vou adotar a lei do menor esforço e, na primeira oportunidade, eu fujo daqui." No entanto, José se empenha no trabalho que tem a fazer. E o faz com excelência. Em vez de lamentar a vida, as circunstâncias, ou de tramar vingança contra seus irmãos, ele encara o desafio, faz o que deve ser feito e o faz bem. E o resultado? José prospera e abençoa as pessoas ao seu redor. Então você pensa: ótimo, agora sim, só vem bênção, só vem vitória. Oh, Glória!


José estava indo tão bem que acabou sendo promovido e passou a morar na casa do capitão da guarda, ganhando mais responsabilidades. O texto bíblico relata que Potifar "ficou satisfeito com José e o fez administrador de sua casa, confiando-lhe todos os seus bens" (Gênesis 39.4). Para José, as coisas pareciam ir incrivelmente bem. Para um escravo? Um estrangeiro? Para alguém rejeitado pela própria família, cujos irmãos desejavam sua morte? Entretanto, surgiu outra armadilha. José, jovem e vigoroso, chamava a atenção das moças, mas não apenas das jovens egípcias. A esposa de seu patrão também começou a investir nele. Que complicação.


Como escapar de tal confusão? José resistiu. "Não, que isso, você é casada, eu sirvo ao seu marido, jamais poderia ter algo com você, mulher, sai fora!" Entretanto, a mulher persistiu. Quando José percebeu que a situação não terminaria bem, ele fugiu correndo. A mulher partiu para cima dele, agarrando-o, e José saiu em disparada... Porém, ela conseguiu agarrar a túnica de José, ficando com a peça de roupa em mãos. Para se vingar, acusou José de tê-la assediado. A quem você acha que as pessoas acreditaram? Em qual história você acha que Potifar acreditou? Na de José ou na da esposa?


Infelizmente, pessoas com mais poder e status tendem a prevalecer com suas mentiras e narrativas. Instituições e indivíduos que detêm títulos e cargos de poder influenciam significativamente as pessoas. Potifar, como era de se esperar, acreditou na esposa, e José foi parar na prisão. Lamentavelmente, o mundo é assim, e a justiça nem sempre triunfa. José foi encarcerado. Ele não foi aprisionado por ter cometido algum erro, mas sim porque agiu corretamente. Às vezes penso que, como nunca fui preso, talvez esteja fazendo muita coisa errada 😕.


José está preso. Como será que ele se sente na prisão? Será que ele está chutando as paredes? Amaldiçoando os irmãos que o enviaram para aquele lugar horrível? Xingando a mulher do patrão por seduzi-lo e depois mentir? Maldizendo Potifar, pensando 'sempre fiz tudo por esse homem, fui leal, nunca menti. E ele me joga na prisão sem sequer considerar minha versão dos fatos?' "O mundo é tão injusto. Justo quando as coisas pareciam que iriam melhorar para mim. Estou desistindo. Sou mesmo um fracassado. Só me dou mal! Não é justo!"


José está preso, mas não se lamenta. Ele não se coloca como vítima da sociedade. A Bíblia sugere ser diferente. Não vemos um José abatido ou batendo nas paredes da cela. Ausentes estão as palavras de amargura ou anseios de vingança. Seria compreensível se José expressasse alguma reclamação ou frustração, mesmo que momentaneamente. Contudo, o que observamos na prisão é o mesmo José que foi escravo de Potifar. Rapidamente, ele conquista a confiança do carcereiro, que o coloca à frente de todos os prisioneiros, tornando-o responsável por tudo o que acontecia ali, conforme Gênesis 39:22.


"Acabei aqui injustamente, vou me dedicar à musculação, fazer tatuagens, causar impacto, aprender com os astutos daqui e, quando sair, todos verão, vou confrontar cada um!" Não, nada disso. José é o tipo mais "careta". Ele fará o que sabe. Vai gerenciar, estabelecer ordem, planejar. Vai se empenhar em melhorar o lugar, transformar o ambiente para o bem de todos ali. Inacreditável, mas é a realidade! Está tudo aqui, é só ler Gênesis!


O texto relata que o carcereiro não tinha preocupações na prisão, pois José gerenciava tudo. O carcereiro estava tranquilo, reconhecendo que José era uma pessoa comprometida e confiável. José não se entregava à autopiedade, nem se lamentava pelas injustiças passadas. Ele enfrentava os desafios de frente. Se o leite derramava, ele não hesitava em buscar a solução. José encontrava-se em uma prisão especial, destinada aos que infringiam as leis da alta corte egípcia. Foi lá que, em um determinado dia, chegaram dois homens acusados de ofender o próprio faraó. Eles eram funcionários de extrema confiança do faraó, especificamente o copeiro e o padeiro reais, responsáveis pela alimentação da corte. O caso ainda estava sendo investigado, e ambos foram detidos preventivamente até que se determinasse qual deles era realmente o culpado.


Num dia qualquer, José percebeu que seus companheiros estavam tristes, abatidos e desanimados, talvez se sentindo vítimas das circunstâncias. José, porém, não se juntou a eles para lamentar. Ele era atento e empático, sempre observando o que acontecia ao seu redor.


Os novos colegas de prisão estavam inquietos com os sonhos que tiveram na noite anterior. José encorajou-os a compartilhar seus sonhos e, em seguida, interpretou o significado de cada um. Ambos estavam presos, mas uma investigação estava em andamento para encontrar o verdadeiro culpado. Três dias após os sonhos, foram levados perante o rei. Conforme José havia interpretado, um foi condenado à morte e o outro foi libertado e restabelecido em seu cargo de copeiro real.

Parece que José passou vários anos encarcerado. Segundo o autor do Gênesis, aproximadamente dois anos depois do episódio em que interpretou os sonhos dos servidores do rei, o próprio Faraó foi assolado por sonhos enigmáticos. O Egito contava com seus magos e sábios, que foram chamados para decifrar os sonhos do soberano. Contudo, nenhum conseguiu oferecer uma explicação convincente. Foi nesse momento que o copeiro recordou-se de José e de sua habilidade precisa em interpretar sonhos anteriormente, e rapidamente o recomendou ao Faraó.


O faraó ordenou que lhe trouxessem o prisioneiro que interpretava sonhos. Para ser breve: José interpretou o sonho do Faraó e, além disso, ofereceu um plano completo para o governo lidar com a situação. O sonho previa sete anos de abundância seguidos por sete anos de escassez. A fome afetaria não apenas o Egito, mas também as regiões vizinhas, resultando em uma crise sem precedentes. José disse: "Veja, seu sonho indica que haverá esta sequência de eventos. No entanto, existe uma solução, e eu posso compartilhá-la se me permitir." José não só interpretou o sonho para o rei, mas também sugeriu uma estratégia que não estava implícita no sonho.


Eu insistirei em mostrar para você exatamente como está na Bíblia. Veja o que José disse ao Faraó do Egito:

"Que o Faraó procure um homem sábio e prudente e o coloque no comando do Egito. O Faraó deve também designar supervisores para arrecadar um quinto das colheitas do Egito durante os sete anos de abundância. Eles deverão juntar o máximo possível durante os anos prósperos que se aproximam e acumular trigo, que será guardado sob a autoridade do Faraó nas cidades. Esse armazenamento servirá como reserva para os sete anos de escassez que se abaterão sobre o Egito, para que a terra não seja devastada pela fome" (Gênesis 41.33-36).


José não apenas relatou o problema, mas também apresentou imediatamente uma solução viável. Ele tinha um plano, uma estratégia para superar a adversidade iminente. Não apenas o Faraó, mas todos os seus conselheiros ficaram impressionados e reconheceram que José tinha um plano sólido. Ele realmente é impressionante!

Se fosse outra pessoa, poderia ter arruinado tudo. Se fosse alguém que se sentisse injustiçado, poderia ter confrontado o faraó dizendo: "Ó rei, antes de tudo, preciso dizer algo. Você está ciente de que estou preso sem justa causa, não está? E agora vocês, da elite capitalista opressora, querem se aproveitar de mim, querem minha ajuda, certo?"

Não, quem se apresenta diante do faraó não é o refém de um coitadismo revolucionário ressentido.

Quem se apresenta é um homem decidido, determinado, comprometido em realmente contribuir para a melhoria de todos.

Acompanhado de seus conselheiros, o poderoso rei do Egito se volta novamente para o prisioneiro há anos esquecido: "Já que Deus lhe revelou tudo isso, não existe ninguém tão prudente e sábio quanto você. Você governará meu palácio, e todo o meu povo obedecerá às suas ordens. Apenas em relação ao trono serei superior a você". E o faraó declarou: "Concedo-lhe agora o governo de toda a terra do Egito" (Gênesis 41.39-41). Quem imaginaria, José!? Quase morto, vendido como escravo pelos próprios irmãos, injustiçado, preso, esquecido. Resumindo a história, José salvou o Egito da fome. E não apenas o Egito; povos das regiões vizinhas, ao saberem que o Egito tinha reservas de alimento, dirigiam-se para lá em busca de socorro. E, vejam só: até sua própria família, seus irmãos, foram ao Egito em busca de comida.


E então acontece algo extraordinário. José reconhece seus irmãos, mas eles não o reconhecem. José envelheceu e se tornou o primeiro-ministro do Egito, um homem de grande poder. Quem diria que o jovem vendido como escravo alcançaria tal posição? José se vê diante da oportunidade perfeita para se vingar. O que ele fará? Ele elabora um plano para que seus irmãos retornem ao lar e tragam todos, inclusive o idoso pai Jacó, ao Egito. José se revela e todos choram; é uma catarse coletiva repleta de surpresa, alegria, medo e alívio. E José perdoa sua família, perdoando os irmãos por tudo o que fizeram.


José pratica um princípio central da fé cristã, essencial para reparar relações entre as pessoas: o perdão. Ele emprega a ferramenta mais poderosa que existe: perdoar. Não há solução mais eficaz para resolver conflitos e se desvencilhar das correntes do passado do que perdoar. José perdoava, e por isso, não se deixava aprisionar pelo ressentimento, pelas mágoas ou pela sensação de injustiça; ele não dispunha de tempo para autocomiseração.


Com sua atitude, ele auxiliou muitos, incluindo sua própria família. A história de José, conforme narrada em Gênesis, mostra que Deus o acompanhava. E foi a forma como ele confiou e enfrentou cada adversidade que permitiu a Deus realizar feitos ainda maiores através de sua vida.

José, além de realizar um excelente trabalho em todo o Egito, teve esposa e filhos. Veja como ele nomeou seus filhos: 

"Ao primeiro, José chamou de Manassés, dizendo: 'Deus me fez esquecer de todas as minhas aflições e da casa de meu pai'. Ao segundo, deu o nome de Efraim, pois 'Deus me fez prosperar na terra do meu sofrimento'" (Gênesis 41.51,52).


Em hebraico, Manassés significa "esquecimento".
Embora o texto nunca mostre José como alguém que murmura, ressentido ou que se lamenta como vítima da sociedade, isso não implica que ele não tenha experimentado momentos de raiva, medo, angústia e sofrimento.
A questão é: como ele lidou com isso?
O nome do segundo filho, Efraim, significa "frutífero", "fértil", "aquele que multiplica".
Mesmo que o texto não mostre José como alguém que se queixa ou reclama dos problemas, essa passagem evidencia sua consciência de tudo o que enfrentou. José foi uma bênção por onde passou. Como administrador de confiança do faraó, seu trabalho gerou bênçãos que se estenderam para além das fronteiras do Egito.

Para que não pense que esta é apenas uma linda história de autoajuda, de alguém inspirador e resiliente que confiava em si mesmo, leia a parte em que José se revela à sua família. É crucial entender isso para evitar mal-entendidos:

"Eu sou José, o irmão que vocês venderam para o Egito! Não se angustiem nem se culpem por me terem vendido, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou à frente de vocês. Já se passaram dois anos de fome na terra, e nos próximos cinco anos não haverá plantio nem colheita. Mas Deus me enviou antes de vocês para preservar um remanescente na terra e para salvar suas vidas por meio de um grande livramento. Portanto, não foram vocês que me enviaram para cá, mas sim Deus. Ele me fez governador do Faraó, administrador de seu palácio e regente de todo o Egito. Retornem rapidamente ao meu pai e digam-lhe: 'Assim diz seu filho José: Deus me fez senhor de todo o Egito. Venha até mim sem demora'" (Gênesis 45.4-9).

Observem como José interpretou sua própria história. Ele poderia ter adotado uma narrativa de vitimização, de injustiçado, de azarado, ou de alguém que acredita que o mundo está contra ele. No entanto, José não fez isso!
José redefiniu sua história sob a ótica do que Deus estava realizando. Ele não aponta os irmãos como culpados, nem se exalta.
Ele não se deixa levar por sentimentos de vingança, nem espera adulação dos outros.

José não compreendeu sua trajetória focando no mal que experimentou, mas sim na bênção que Deus proporcionaria a muitos.

Pessoas que buscam e encontram força em Deus, que se detêm para refletir sobre os eventos da vida e permitem que Deus examine seus sentimentos, não permanecem imóveis, lamentando-se ou remoendo o tratamento recebido dos outros. Elas avançam, conscientes de que Deus tem mais à frente, novas bênçãos preparadas!

É natural ficar triste, chorar ou sentir raiva. Somos seres frágeis e temos nossos momentos de vulnerabilidade. Contudo, não permita que esses sentimentos o prendam. Supere-os, e evite desperdiçar tempo e energia com o que não pode ser alterado.

Observe que, embora José tenha encontrado pessoas que lhe causaram dano, ele também encontrou muitas que lhe estenderam a mão. Não se concentre somente naqueles que desejam o mal. Há muitas pessoas dispostas a ajudar por aí!

Derramou o leite? Não se abale, vá atrás da vaca. A fonte é abundante.

As situações estão difíceis, tudo parece complicado? Recorde-se de quem está acima de tudo, transcendendo as circunstâncias. Confie naquele que é o Senhor da História!














sexta-feira, 12 de julho de 2024

Martim Lutero e a Descoberta da Doutrina da Justificação pela Fé

 Um Olhar sobre o "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça"

Martim Lutero é uma figura central na história do Cristianismo, cujas contribuições foram fundamentais para a Reforma Protestante. Sua jornada teológica foi marcada por uma profunda reflexão e pesquisa, culminando na transformação espiritual que o levou a descobrir a doutrina da justificação pela fé. Essa descoberta trouxe alívio espiritual e clareza teológica para Lutero e foi comunicada de maneira eloquente em seu "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça"[1]. Esse sermão revela um dos primeiros esforços de Lutero para comunicar suas descobertas para as pessoas.

A Angústia e a Busca pela Verdade

Antes de sua epifania teológica, Lutero era profundamente perturbado pela expressão "justiça de Deus", encontrada nos Salmos e na Epístola aos Romanos. Ele entendia essa justiça como a retidão divina que condenava os pecadores. Lutero, em sua busca por compreensão, foi guiado por um esforço persistente em decifrar o verdadeiro significado das Escrituras. Após muita pesquisa e reflexão, especialmente nas Epístolas de Paulo, ele compreendeu que a "justiça de Deus" revelada no Evangelho é, na verdade, a justiça que Deus concede gratuitamente aos crentes por meio da fé em Cristo.


A Revelação Transformadora

A chave para a descoberta de Lutero foi Romanos 1:17, que declara: "Pois no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: 'O justo viverá pela fé.'" Lutero percebeu que essa justiça não era uma condenação, mas um dom divino que justifica o crente. Essa justiça de Deus, imputada ao pecador, transforma a relação entre o homem e Deus, libertando o crente do medo e da culpa do pecado.

Contexto Histórico e Teológico

Entre 1513 e 1518, enquanto lecionava e expunha os Salmos e as Epístolas aos Romanos, Gálatas e Hebreus, Lutero gradualmente formulou a doutrina da justificação pela fé. Ele se baseou em várias passagens bíblicas, incluindo:

  • 1 Coríntios 1:30: "É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção."
  • Romanos 4:5: "àquele que não trabalha, mas confia em Deus que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça."

Essas passagens foram fundamentais para Lutero distinguir entre a justiça passiva, recebida pela fé em Cristo, e a justiça ativa, resultante das boas obras praticadas em resposta à graça recebida.

"Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça": Comunicação das Verdades Redescobertas

O "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça" reflete a tentativa de Lutero de comunicar suas descobertas ao público. Nele, ele distingue entre:

  1. Justiça Alheia (Passiva): A justiça imputada de Cristo, que justifica o crente diante de Deus.
  2. Justiça Própria (Ativa): A justiça vivida e praticada pelo crente, como fruto da fé e resposta à graça divina.

Lutero afirmou no sermão: 

"Portanto, esta é a justiça cristã: ela não é ativa, mas passiva. Dizemos que é justiça passiva porque não nos tornamos justos por meio de nossas obras, mas recebemos justiça ao permitir que Deus nos torne justos."

Publicação e Impacto

Não se sabe ao certo quando Lutero proferiu este sermão, mas é provável que tenha sido no Domingo de Ramos de 1518 ou 1519. Em uma carta datada de 13 de abril de 1519 a João Lang, Lutero reclamou que o sermão havia sido publicado em Wittenberg sem sua autorização. Em resposta, ele próprio o publicou no mesmo ano para assegurar a precisão de sua mensagem.

Conclusão: A Redescoberta que Transformou o Cristianismo

A redescoberta da doutrina da justificação pela fé por Lutero foi um marco que moldou a teologia cristã e deu início à Reforma Protestante. O "Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça" de Martinho Lutero destaca a distinção crucial entre a justiça que justifica (recebida pela fé) e a justiça que é vivida (fruto da fé). A primeira é concedida por Cristo e recebida pela fé, enquanto a segunda é a manifestação dessa fé na vida do cristão. Essa teologia é central no pensamento protestante e continua a influenciar a compreensão cristã da justificação e da vida ética.

Lutero expressou essa visão ao dizer: 

"A primeira [justiça] é alheia, pois é a justiça de Cristo pela qual somos justificados; a segunda é nossa própria justiça, a graça de Deus e o fruto da fé."

Refletir sobre a jornada de Lutero e suas contribuições nos lembra da importância de buscar a verdade nas Escrituras e de viver uma fé que transforma nossas vidas e impacta o mundo ao nosso redor.

______________

[1] O Sermão sobre as Duas Espécies de Justiça" de Martinho Lutero encontra-se traduzido para o português e publicado nas Obras Selecionadas de martim Lutero. Volume 1: Os Primórdios - Escritos de 1517 a 1519 . São Leopoldo: Sinodal, 1987. 

sábado, 22 de junho de 2024

Os Salmos Como Alimento e Esperança Na Jornada da Vida

Como manter a sanidade e a esperança quando as circunstâncias são extremamente desafiadoras? 

Além das pandemias, desastres naturais, crises políticas e econômicas, os valores morais estão cada vez mais comprometidos. Se nos concentrarmos excessivamente nas circunstâncias e nos nutrirmos espiritualmente somente através das notícias, inevitavelmente seremos vencidos. Contudo, a história do povo de Deus nunca foi isenta de adversidades. O que os manteve firmes diante dos desafios? Desde a escravidão no Egito até o exílio na Babilônia, encontramos exemplos de força, coragem e fé, mas também de medo, insegurança, dúvida e desespero.


As adversidades são uma constante:
"Observem! Os ímpios preparam seus arcos; posicionam suas flechas nas cordas para, das sombras, dispararem contra os de coração íntegro" (Salmos 11.2). 

É totalmente compreensível que recorramos aos Salmos em momentos assim.

O teólogo britânico N. T. Wright aborda o povo de Israel durante seu exílio e destaca a relevância dos Salmos:

"...pessoas às quais era impensável entoar o cântico do Senhor em uma terra estranha descobriram que, na verdade, entoar essas canções (e compor novos poemas) era uma das poucas coisas capazes de preservar sua sanidade e lhes dar esperança". 

Diante da violência, injustiça, adversidades e as aparentes arbitrariedades da vida, como permanecer fiel e ver as coisas sob a perspectiva de Deus?

"Quando os fundamentos estão sendo destruídos, o que pode fazer o justo?" (Salmos 11.3). 

Redescobrir os Salmos é reencontrar o mais belo e antigo hinário do povo de Deus. Jesus e os autores do Novo Testamento eram íntimos dos Salmos. Se para o povo de Deus os Salmos eram parte do cotidiano, o que perdemos hoje ao negligenciar esse texto precioso?

Se, conforme N. T. Wright ressalta, as pessoas do mundo judaico e os primeiros cristãos, incluindo Paulo e os outros apóstolos, "cantavam e oravam os Salmos, dia após dia, mês após mês, permitindo que o livro moldasse seu caráter, aprimorasse sua visão de mundo, orientasse sua interpretação das demais Escrituras e, sobretudo, nutrisse e sustentasse a vida ativa que levavam, alimentando esperanças que mantinham a confiança em seu Deus, o criador do universo, mesmo em tempos sombrios e desoladores", quanto estamos perdendo por negligenciarmos os Salmos?

O mundo em que Jesus viveu foi indubitavelmente moldado por práticas de oração centradas no livro dos Salmos. Se Deus, nosso Senhor e criador único de tudo, continua real e ativo neste mundo, se Ele veio habitar entre nós e prometeu retornar para estabelecer Seu reino definitivamente, então existe esperança. Os Salmos nos auxiliam a manter o foco no que é verdadeiramente essencial.

"O Senhor está no seu santo templo; o Senhor tem o seu trono nos céus. Seus olhos observam; seus olhos examinam os filhos dos homens" (Salmos 11.4).

domingo, 9 de junho de 2024

Como Utilizar o WhatsApp Para Pastorear Melhor a Igreja


Assim como o smartphone, o WhatsApp tornou-se um elemento comum na vida dos brasileiros. Não é necessário reiterar as vantagens dos meios de comunicação modernos e da interação social. Da mesma forma, não é preciso enfatizar todos os riscos e danos potenciais. Cabe ao cristão analisar, ponderar, discernir e aplicar tudo de forma mais produtiva. 
Então, surge a questão: como usar bem as ferramentas de interação social disponíveis? 
Este artigo tem um objetivo mais específico: como a igreja local pode empregar o WhatsApp para servir à sua missão? O WhatsApp pode ajudar a liderança e o pastor a servir melhor a igreja? Pastorear significa cuidar, acompanhar, visitar, aconselhar e, em suma, guiar o rebanho. O desafio pastoral aumenta com o número de membros da igreja. Como o pastor pode estar efetivamente presente na vida das pessoas? 


É importante esclarecer que não pretendemos sugerir que o WhatsApp ou qualquer outra ferramenta de rede social substitua o contato pessoal. Pastorear requer contato pessoal, face a face. O pastor deve conhecer suas ovelhas e, se ainda não as conhece, deve buscar conhecê-las. Estamos dizendo que redes sociais como o WhatsApp ou Telegram podem apoiar no acompanhamento, presença, cuidado, ensino e aconselhamento da igreja. Como um pastor pode usar eficazmente o WhatsApp para auxiliar seu ministério? Apresentamos iniciativas que podem potencializar o trabalho de liderança e pastoreio. Não é necessário implementar todas. Avalie o que se encaixa melhor na sua realidade.

1. Estabeleça uma estratégia distinta para cada dia da semana. 
O pastor, em sua missão eclesiástica, enfrenta diversos desafios: orar, evangelizar, ensinar, aconselhar, pregar e informar. Em vez de usar o WhatsApp aleatoriamente para diferentes tipos de mensagens e direcionamentos durante a semana, que tal organizar e formalizar os grupos da igreja? Refiro-me ao grupo geral da igreja, onde todos os membros são incluídos (abordaremos os grupos específicos mais adiante). Por exemplo, a igreja pode designar o domingo para pregações, a segunda-feira para orações, a terça-feira para formação, a quarta-feira para evangelização, e assim sucessivamente. Um tema central para cada dia. Diariamente, se possível pela manhã e sempre no mesmo horário, um vídeo, texto ou mensagem relacionado ao tema do dia é compartilhado. 
É crucial que esses grandes grupos sejam bem organizados e transmitam confiabilidade. Grupos desorganizados, com mensagens dispersas enviadas a qualquer hora, tendem a ser desmotivadores. Além disso, esses não devem ser espaços para debates e interações que possam levar a discussões infrutíferas. Portanto, é recomendável que o grupo seja configurado para não permitir respostas, e que somente o pastor ou uma pessoa designada por ele faça as postagens. Os membros devem ser instruídos a enviar dúvidas e comentários diretamente para outro canal, onde possam ser prontamente atendidos.

2. Grupos por Interesse. 
Cada igreja organiza-se com diferentes iniciativas, abordagens e ministérios, o que leva à criação de grupos de WhatsApp de acordo com os ministérios e idades dos membros. Casais, crianças, jovens, homens, mulheres, adolescentes, recém-convertidos, veteranos, entre outros, são grupos que necessitam de abordagens e conteúdos distintos. Devemos evitar os modelos de grupos aleatórios que se limitam a transmitir avisos e a programação da igreja e de seus diversos ministérios. Qual é o foco do grupo? Qual é a ênfase e a missão principal do ministério em questão? Como o grupo de WhatsApp contribui para a realização da missão desse ministério? 
Os grupos formados a partir dos diferentes ministérios da igreja devem servir para aprofundar o que é tratado de forma mais geral na igreja e no seu 'grupão'. Aqueles que precisam de evangelização podem optar por participar de um grupo com esse propósito. Quem deseja formação e aprofundamento bíblico vai querer fazer parte de um grupo que ofereça isso. Para tal, o pastor precisará certamente de apoio. Uma equipe de líderes será essencial.

3. Conteúdos de Qualidade.
Seguindo a tradição e a denominação, cada igreja tem seu perfil doutrinário próprio. A função do pastor inclui ser um guia espiritual para a congregação. Pastorear envolve proximidade, o que implica que, sempre que possível, o pastor deve estar presente na vida dos membros através dos conteúdos que lhes são enviados. Contudo, nem sempre isso é viável. Assim, é responsabilidade do pastor escolher materiais de qualidade para serem usados quando necessário. Com critério e discernimento, ele deve selecionar textos e vídeos para serem compartilhados conforme o planejamento em cada grupo de WhatsApp. 
É crucial que os grupos não se tornem apenas mais um canal de recebimento de conteúdo aleatório. Portanto, uma mensagem direta e pessoal do pastor é essencial, ao menos uma vez por semana em cada grupo. Uma forma de otimizar as oportunidades existentes para criar material é gravar a pregação dos cultos. Essa gravação pode ser compartilhada através de um link no 'grupão' da igreja aos domingos à tarde ou à noite.

4. Não menospreze o poder das redes sociais ou os membros da igreja. 
Menosprezar é não reconhecer o valor adequado. Significa avaliar por baixo. Independentemente da sua vontade, os membros da igreja estão nas redes sociais e consomem conteúdo online diariamente. A pergunta é: quais conteúdos os membros da sua igreja estão consumindo? A que tipo de conteúdo eles têm acesso? Quanto a igreja está contribuindo, fornecendo material de qualidade? No que diz respeito à internet e às redes sociais, muitas igrejas cometem o erro de salientar somente os aspectos negativos, criticando e alertando constantemente para os perigos desse ambiente virtual. Contudo, essa é uma batalha vã. Em vez de gastar energia combatendo, por que não redirecionar o foco e questionar como a igreja pode empregar essa ferramenta poderosa no serviço de evangelização e na construção de vidas?

Considerações
Utilizar o WhatsApp permite uma comunicação rápida e direta com os membros da igreja, facilitando o pastoreio e o cuidado com a comunidade. Permite, ainda, acompanhamento personalizado. Através do aplicativo, é possível acompanhar as necessidades individuais dos fiéis, oferecendo suporte e orientação espiritual de forma mais personalizada. Favorece a disseminação de informações. O WhatsApp é uma ferramenta poderosa para disseminar informações importantes, como horários de cultos, eventos da igreja e mensagens inspiradoras, porém, como vimos, há potencial para ir muito além disso. O objetivo é fortalecer a comunidade. A interação constante pelo aplicativo ajuda a fortalecer os laços entre os membros da igreja, criando uma comunidade mais unida e engajada.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Onde Está Deus na Tragédia?

Onde está Deus quando as tragédias acontecem? Por que Deus permite a dor e o sofrimento? Se Deus existe, porque tantas coisas ruins ocorrem? 

Tragédias como essa que se abate sobre o estado do Rio Grande do Sul em maio de 2024 são capazes de revelar o melhor e o pior do ser humano. Por um lado vemos pessoas politizando a catástrofe. Há quem diga tratar-se de um castigo merecido. Encontraremos aqueles que se aproveitam de momentos de escassez para faturar mais alto. bandidos aproveitam para saquear e assaltar enquanto tantos perecem. Por outro lado, uma grande rede de apoio e solidariedade se forma. Milhares de pessoas, a grande maioria de forma anônima, estão envolvidas em auxiliar, de algum modo, quem mais precisa. 
No momento da dor é legítimo que haja revolta, raiva, medo, angústia e dúvidas. De tudo que se pode questionar, nem mesmo Deus é poupado. 

O brasileiro, de modo geral, conhece uma divindade subserviente à vontade de sacerdotes que se apresentam como intermediários da benção. Um deus que estaria disponível para sempre abençoar e fazer prosperar aqueles que sabem cumprir o ritual sagrado, uma divindade a serviço de quem sabe manipular a melhor oração, e de quem conhece as artimanhas capazes de fazer a força divina agir a seu favor. O Deus cristão revelado na Bíblia, porém, não se deixa domesticar por discursos e práticas religiosas. Se Deus é Deus, Ele é quem é independentemente do que nós pensamos a seu respeito. 

A frustração que muitos podem experimentar diante de Deus quando as coisas não saem conforme o esperado, acontece não porque Deus deixou de ser Deus. Mas, porque o deus que nos foi apresentado é uma divindade idealizada para atender as nossas expectativas. Quando esse deus falha, nós o atacamos e, até mesmo, deixamos de crer nele. Na sua falta, acabamos atacando aqueles que dizem nele acreditar. 

Quando nós atrelamos a ocorrência de uma tragédia, seja ela pessoal ou mais ampla, envolvendo milhares de pessoas, à existência de Deus, devemos lembrar que a Bíblia jamais deixou de relatar as suas próprias tragédias. Em Gênesis temos o relato do dilúvio. Depois o povo de Deus passou anos e anos escravo no Egito. Mais adiante, esse povo sofreu no exílio e conheceu a opressão sob o jugo de nações estrangeiras. O Antigo Testamento também revela o emblemático caso de Jó. Enfim, o próprio Jesus foi preso, torturado, humilhado e condenado à pior das mortes daquele tempo.

Portanto, não, o Deus dos cristãos não é um Deus à serviço dos caprichos humanos, gostemos disso ou não. A nossa tragédia não é uma exclusividade nossa. Se aprendemos que a fé em Deus serve para nos livrar dos perigos e dos sofrimentos do mundo, sinto informar que nos ensinaram errado. A jornada do povo de Deus e dos cristãos ao longo da história sempre foi de um povo que mantinha sua fidelidade a Deus apesar de toda dificuldade. A fé não é sobre levar uma boa vida, mas, sobre reconhecer a Deus nos maus e nos bons momentos e saber que apesar dos pesares, é Ele quem tem a palavra final. 

A fé não é sobre templos lotados ou sobre forças espirituais à serviço da prosperidade humana. É mais sobre confiança, mesmo quando atravessamos o vale da sombra da morte. A fé que se baseia numa relação de confiança com Deus nos permite conhecer um Deus que é capaz de suportar a nossa dúvida, nossos questionamentos, nossa indignação, nosso grito de desespero. Mais uma vez encontraremos na Bíblia diversos personagens que direcionaram a Deus a sua dor, a sua pergunta, a sua indignação e até mesmo a sua incredulidade: “Será que quem fez o ouvido não ouve? Será que quem formou o olho não vê?” (Salmo 94.9). 

Em vista disso, não se intimide. Expresse tudo diante de Deus, acredite você nele ou não, seja ele quem você acha que é. Derrame tudo o que se passa em seu coração. Deixe extravasar tudo. Pois se Deus realmente existe, ele é capaz de suportar qualquer coisa vinda de alguém que sofre. O amor e a compaixão são da natureza de Deus. Ele acolhe, inclusive, o nosso silêncio.